2 de junho de 2009

Mais sobre o género

António Ramalho em Incoerências de género Económico discute a dificuldade portuguesa de passar dos diagnósticos à fase da prioritização e, por último, à da concretização. Dá, como exemplo (ver a transcrição abaixo), o facto do peso das mulheres, em termos de formação superior, não corresponder à sua penetração ao nível das chefias das empresas - en passant recorda o facto de Portugal ser dos países europeus que mais investe e gasta com a educação.

"Ninguém diverge na necessidade de alterar a falta de competitividade do nível educativo português. A título de exemplo, recordemos que em 2001 apenas 44,6% da população jovem terminava o secundário contra 76,6% na Europa. Não foi, por isso, difícil escolher a educação como prioridade deste início de século. Portugal é um dos cinco países da Europa em maior investimento e custos educativos em percentagem do PIB.

O diagnóstico é consensual, a prioridade estratégica foi assumida, e, melhor ou pior, várias medidas foram implementadas. Todavia, esta prioridade implicou também uma alteração profunda de valorização do papel de uma nova geração de quadros na sociedade. Curiosamente, muitos desses quadros são mulheres. É natural. De facto, 60,8% dos jovens que atingem o secundário são mulheres. Na universidade, as mulheres representam 54% do total de alunos, mas, sublinhe-se, são 61,4% dos que atingem a licenciatura. É, aliás, esta a realidade de Portugal dos últimos 25 anos, que lhe permite ser o país com maior percentagem de população activa feminina (são mais de 2,6 milhões de trabalhadoras). No final desta década haverá mais doutoramentos femininos que masculinos (hoje representam 48%).
É por isso muito pouco coerente que Portugal compare tão mal no que respeita ao género no Corporate Governance Report de 2009, recentemente publicado pela Heydrick & Struggles. De facto, Portugal, que tem uma média de governação muito jovem (55,9 anos contra 59 média) é o país, a par de Itália, com menos mulheres nas administrações das empresas (3%) e é o país (isolado) com mais empresas sem qualquer mulher na administração (70% contra uma média de apenas 31% nos 14 países comparados).

Ora, esta situação não é culpa do diagnóstico, nem da prioridade, nem de falta de acção. Em rigor, não é culpa de ninguém. É só desperdício para todos."
De acordo com tudo, menos com a afirmação de em "Em rigor, não é culpa de ninguém". Absolutamente de acordo com a conclusão de ser um desperdício para toda a sociedade.
Duas pequenas notas:
  1. A dificuldade da entrada das mulheres ao nível do poder político, ou do poder empresarial, prende-se, em primeiro lugar, ao facto de estarmos a falar, efectivamente, de poder: do que é poder, como é que se estrutura o poder, das redes de poder - quem tem poder (grupos, interesses), não quer cedê-lo, restringe o seu acesso a quem não o tem, cria todas as barreiras à entrada dos "outros" (precisam de exemplos históricos?); a questão do género, antes, surgia como legitimação ideológica da marginalização social das mulheres - neste momento, no nosso país, perdeu grande parte dessa eficácia legitimizadora (pelo menos, publicamente): o que existe agora é o arrastar dos pés do sistema ("a burguesia já conquistou a sociedade, mas o Ancien régime veda-lhe ainda o acesso ao poder").
    Daí a necessidade da "revolução", da aplicação das quotas, ou, se quizerem - em "economês" - a necessidade de uma actuação regulamentadora que elimine "barreiras à entrada" artificiais, decorrentes do poder de mercado das "empresas" já estabelecidas (a analogia é imediata: a situação descrita acima é uma patente falha de mercado - do mercado social - que o próprio não consegue resolver por si só).
  2. Mas porquê a revolução?; porquê precipitar as coisas? porquê as quotas? - no médio e longo prazo, o peso das mulheres em todas as esferas de actividade, irá, dizem, inexoravelmente, fazer com que as mulheres ocupam o lugar devido em todas as esferas do poder. Talvez, mas no longo prazo, recorda-nos Keynes, estaremos todos mortos (tudo isto lembra a defesa, à outrance, da tese da auto-suficiência dos mercados).
    Porque, no entretanto, existe, como é dito acima, o desperdício. E o desperdício resulta de não se poder aproveitar o potencial de recrutamento de qualidade associado a metade da população com os requisitos para tal - de novo, em "economês", o desaparecimento das barreiras à entrada das mulheres na esfera do poder, aumentará a concorrência, e a qualidade dos intervenientes aumentará.
    E o desperdício é intolerável na situação em que vivemos, neste momento, no país.

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