3 de agosto de 2009

A propósito do Estatuto dos Açores

Eu acompanhei de modo distraído o processo no que respeita à sua parte substantiva: à matéria de direito constitucional. Confesso: o assunto não me entusiasma, a contrário de muitos, a quem, em minha opinião,  entusiasma em demasia. Mas, em todo o caso, ouvindo e lendo uns e outros, formei uma opinião, feita de algumas convicções, de uma ou outra perplexidade e incompreensão, e de conjecturas. Confirmaram-se, no entretanto, algumas das minhas percepções sobre diversos tópicos, e foram sublinhadas preocupações antigas sobre o futuro dos Açores, e isso, será para mim o que é mais importante.
  1. É minha convicção de que, em tudo o que se discutiu em todo este processo, nunca esteve em causa um efectivo interesse para os Açores. Mesmo admitindo o contrário, por mera hipótese de discussão [e já agora, por mera questão de honestidade intelectual, atendendo ao meu domínio da matéria], é minha convicção que esse interesse não estaria em causa nesta conjuntura política, pelo que seria susceptível de ser suprida a sua falta de cabimento constitucional, na próxima revisão constitucional, e num outro Estatuto, sem qualquer prejuízo imediato e futuro para os Açores. É minha convicção que a percepção do Primeiro Ministro (e de muita boa gente no Partido Socialista) não fugiria muito a isso, com mais ou menos qualificações; que ele teve sempre consciência do preço político a pagar, e de modo particular nesta conjuntura, em termos da deterioração da cooperação institucional com Cavaco Silva [é de conhecimento público, que o homem não perdoa uma]; mas que, ele sabia, se não apoiasse a liderança do PS Açores, neste braço de ferro, Manuel Alegre [e os seus, e, eventualmente, mais alguns] cindir-se-iam do PS. É minha convicção que Sócrates fez bem, ao fazer o que fez, e isso tendo em atenção o que ele pensa ser o interesse nacional - a alternativa era bem mais perigosa e a incorrecção constitucional de algumas das normas, (grave do ponto de vista nacional como era reconhecida por todos os constitucionalistas) seria sempre reparada pelo Tribunal Constitucional, como acabou por o ser.
  2. O que para mim é fonte de perplexidade, de dúvidas e de conjecturas, é a razão para que as coisas se tenham passado como se passaram, muito em particular, depois das eleições para a ALR - como aqui jogaram os egos, e as estratégias do futuro político; se há ou não a tentativa de realinhar o Partido Socialista; se houve ou não a instrumentalização à preparação das próximas eleições presidenciais; ou, se tudo não resultou de ser o tacticismo extremo, e acéfalo, a conduzir os acontecimentos ("vamos ver o que isto dá"). Para ser franco, à mesa do café, não me escasseiam palpites para construir, e jogar numa narrativa, mas, aqui, não o faço, e por isso, passemos adiante.
  3. Para mim, o aprofundamento da autonomia, passou, e passa cada vez mais, por tudo aquilo que contribua para o acréscimo da resiliência da sociedade açoriana, em todos os domínios, e da sua capacidade endógena de preparar a sua resposta aos desafios que o futuro próximo, muito provavelmente, irá trazer. O aprofundamento institucional, jurídico-constitucional, será importante, será necessário, só na medida em que aquele outro o exija. Confundir-se o aprofundamento da autonomia, estrita ou, principalmente, com uma deriva institucional a caminho não sei do quê, não só é estéril, como é perigosa para os Açores. É perigosa, porque, no dia-a-dia, serve de desculpa à ausência de reflexão estratégica sobre para onde irão os Açores, e sobre o que será necessário fazer para calcorrear o caminho, de boa maneira. É perigosa, porque os Açores necessitam do Continente, e a nossa prosperidade está assente em pressupostos que ninguém pode assegurar que permanecerão no tempo - se os tempos que aí vierem (e não estou a falar do curto prazo e das sequelas desta crise) foram exigentes, simultâneamente, quer para o Continente, quer para as Regiões Autónomas, ninguém desejaria que esse aprofundamento institucional, ou por via das suas normas, ou por via política-ideológica, se viesse a constituír como desculpa para a atenuação da solidariedade intra-nacional.

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