31 de janeiro de 2010

E porque razão não se aceita o que se está a passar, e a sua gravidade?

Eventualmente, do ponto de vista científico, no sentido mais amplo, a discussão mais interessante relacionada com o tópico do aquecimento global, não será tanto a comprovação da sua ocorrência, e da responsabilidade humana no desencadear e alimentar do fenómeno, como perceber porque motivo o assunto desencadeia as paixões e a controvérsia que conhecemos.

Na verdade, e como alguém o dizia, do estrito ponto de vista científico, o conhecimento físico e químico que substantiva a afirmação da existência do aquecimento global, é conhecido há mais de um século. A ciência das alterações climáticas continua a ser aperfeiçoada; existem ainda zonas e ligações não adequadamente percebidas; acontecem erros de diverso tipo no processo da produção de resultados científicos; têm havido projecções temporais que se têm revelado, ou, excessivamente, pessimistas, ou, excessivamente, optimistas, mas a evolução tem sido, ao longo de todo o processo, de um progressivo aprofundamento do conhecimento do que condiciona, no médio e logo prazo, o perfil do clima. Os resultados científicos que a cada momento possam, aparentemente, por em causa a ideia central de estarmos a ser confrontados com um aquecimento global determinado pela actuação humana, têm vindo a ser examinados, integrados e explicados, no quadro mais amplo da compreensão do fenómeno. Por outro lado, a evidência dos factos tem vindo a acumular-se.

Isto é assumido e dito pelos cientistas que estudam o clima: RealClimate: Unsettled Science (altamente recomendado) e Climate Feedback: The real holes in climate science.

No entretanto, comprova-se não só no meio dos climatologistas, como dos cientistas em geral, que existe um consenso forte a propósito da aceitação da existência do fenómeno, da responsabilidade antropocêntrica, e da sua gravidade: (ver aqui e aqui).


E no entanto, a controvérsia existe, na opinião pública. Porquê? A resposta tem diversas causas. A primeira, e a mais óbvia, tem a ver com o trabalho feito pelos interesses ligados ao petróleo e ao carvão (Rolling Stone on “The Climate Killers: 17 polluters and deniers who are derailing efforts to curb the climate catastrophe.” « Climate Progress»; The Heat Is Online The desinformation campaigns of big coal: Origins of fossil fuel desinformation campaigns), numa linha de actuação já seguida, noutras situações, por interesses económicos ligados à indústria do tabaco (ver aqui e esta referência: Wunder Blog : Weather Underground), à do chumbo (não pensem que foi fácil chegar à gasolina sem chumbo), e a outras.  Um dos modos de fazê-lo é indicado em Climate Cover Up: How To Manipulate Public Opinion | Global Warming Basics | Allianz Knowledge (o vídeo pode ser visto aqui). A este propósito ler também: The Big Picture » Blog Archive » Agnotology e Clive Thompson on How More Info Leads to Less Knowledge.

Mas a história não fica por aqui - há outras influências em jogo, que se entretecem com aqueles interesses: a de cientistas, em particular, físicos, implicados no esforço militar durante a guerra fria (se não viram o vídeo de Orestes - aqui - não podem deixar de o fazer); ideológicas e culturais ligadas ao medo do aumento da intervenção do Estado na sociedade e na economia, ou à desconfiança da ciência e da cultura: Climate rage - Paul Krugman Blog - NYTimes.com e Open Left:: Why the right denies anthropogenic climate change.

Mas é possível, ainda, encontrar outras explicações ligadas às atitudes individuais; ao modo como percepcionamos o mundo que nos rodeia; ao modo como reagimos como seres sociais e aquilo que somos psicologicamente: The last refuge of prejudice | openDemocracyDeath from afar | The Economist; ao nível de iliteracia científica: Scientific illiteracy clouds climate-change politics | Climate Ark; à forma como reagimos à informação e à evolução das coisas : The Greatest Story Rarely Told - Dot Earth Blog - NYTimes.com; Shifting Baselines e Op-Ed Columnist - Cassandras of Climate - Paul Krugman - NYTimes.com.

Terminaria esta nota indicando estas referências assentes em investigação social recente sobre: " [a] Cultural Theory of Risk (CTR), as well as the more refined conceptualization of CTR known as 'Cultural Cognition'. The basic idea behind this approach is that individuals tend to form beliefs about societal dangers that reflect and reinforce their visions of the ideal society": Open Left:: A social science approach to global warming denialism--Part 1;Open Left:: A social science approach to global warming denialism--Part 2 ;Open Left:: A social science approach to global warming denialism--Part 3. Muito, muito interessante.

2 comentários:

Pinto de Sá disse...

Bom dia!
A listagem que faz dos interesses de diversos tipos que se opõem à teoria do aquecimento global de origem antropogénica é muito boa, mas creio que devia ser acompanhada pela listagem dos INTERESSES que defendem a mesma teoria - dos económicos aos ideológicos.
Até porque a ausência de honestidade científica de parte destes interesses em muito contribui para a descredibilização da teoria em si. "Provar" o aquecimento global mostrando um urso branco num bloco de gelo ou invocando até, como aconteceu agora, que ele é responsável pelo terramoto no Haiti, sem falar na "fita" dos políticos das ilhas Fiji quanto à próxima submersão dessas ilhas, são argumentos que permitem descredebilizar a teoria sublinhando, por exemplo, o frio que tem feito este Inverno...
Independentemente da veracidade da teoria, uma coisa me parece certa: nisto, como em muitas outras situações, os extremistas fazem o jogo da parte contrária.
Cumprimentos

José Matias disse...

Permita-me fazer-lhe os seguintes reparos:
1) A listagem dos interesses económicos e ideológicos que defendem [aceitam, reconhecem] a tese do aquecimento global não é difícil de fazer: serão todos aqueles que defendem também a mudança do paradigma energético das nossas sociedades, assente nas energias fósseis, ou que serão ameaçados pelas alterações climáticas (logo serão as indústrias renováveis, os defensores da eficiência, da sustentabilidade, a indústria dos seguros, e, também, porque não reconhecê-lo, os que defendem o papel do Estado num conjunto alargado de matérias, etc.). Embora, infelizmente, aconteça uma linha de fractura ideológica entre esquerda e direita nessa matéria, essa oposição é mais uma realidade norte-americana que europeia: Margaret Thatcher defendia, enquanto PM, a necessidade de uma resposta às alterações climáticas; existem todos os governos de centro-direita europeus que estão deste lado e, curiosamente, não tenho ouvido, em Portugal, a esquerda, à esquerda do PS, a pronunciar-se, clara e enfaticamente, sobre a matéria (bem, na verdade, é algo que poderia ser dito de quase toda a classe política).
2) A relação que existe entre estes dois conjuntos de interesses é assimétrica em termos de poder económico, e de influência política. É lamentável, do meu ponto de vista, mas é uma realidade com que se tem de viver. Veja a dificuldade de passar a lei das renováveis e da eficiência energética nos EUA, apesar do seu interesse em termos de segurança militar e económica (veja-se o que está a suceder já na China nessa matéria). Essa lei a passar irá criar um extraordinário incentivo ao aumento do mercado para as indústrias alternativas às fósseis.
3) Não está em causa que hajam interesses económicos e ideológicos divergentes nesta, como em outras matérias. O que está em causa, é se no decurso da defesa legítima dos interesses de cada um, se abusa da posição de força económica e política, para escamotear informação [existe ou não um pico de petróleo à vista?], para criar dúvidas sobre o consenso científico existente sobre a gravidade do problema do aquecimento global, e para desvirtuar o jogo democrático [caso dos EUA - ver o livro de Krugmam, A Consciência de um Liberal (estou a citar de cor)].
4) E onde tudo bate no ponto, é aqui: a evidência científica carreada e produzida até ao momento aponta inequivocamente para que haja um problema sério [aliás, existe é a confluência de um conjunto de problemas graves diferentes, além do aquecimento global, nas próximas décadas].
5) Estarei de acordo consigo com aquilo que diz sobre os extremistas, e com o impacto negativo da falta de honestidade científica, mas como se diz num artigo do Guardian (referenciado numa nota posterior a esta), se a economia fosse escrutinada como tem sido o aquecimento global, viveríamos num mundo melhor [olhe que eu sou economista, e estou de acordo]. A verdade é que, sendo o processo de investigação das alterações climáticas, sujeito a um escrutínio implacável exterior anómalo(além do que está associado, inerentemente, à prática científica), o consenso sobre os seus resultados principais têm-se reforçado.