21 de outubro de 2011

Apontamentos de ocasião

Tentando dar sentido a algumas coisas:
  • O Presidente da República tentou recentrar-se a nível do espectro político? Eu penso que isso é possível. A razão seria a de ganhar graus de liberdade face ao Governo junto da opinião pública, e capacidade de influência junto do Partido Socialista - no actual contexto não é saudável ter uma Presidência colada ao Governo de forma não qualificada ("Um presidente, um governo, uma maioria", não é  um bom slogan nos dias que correm). Se tal tentativa de descolagem se confirmasse como eficaz poderia ser útil à potenciação da capacidade de arbitragem da Presidência nos próximos tempos, onde a dificuldade e a complexidade sócio-políticas irão aumentar. A minha dúvida é a de saber se isso - admitindo que estou a ler bem o que se passa - teria sido concertado com o Primeiro Ministro. 
  • Outra questão é a de saber se a crítica do Presidente assenta numa efectiva convicção técnica. Não há razões para duvidar da dimensão do acréscimo inesperado do défice. Independentemente das razões e das responsabilidades em presença, o certo é que isso determina, e de forma inexorável, o tamanho do esforço a ser feito. O que fica sob julgamento, portanto, é como distribui-lo. A possibilidade de ser feito de modo diferente não foi demonstrada, na ausência do recurso ao incumprimento do Memorando. Quanto muito, é a opinião de alguns, que deveria ter-se aproveitado o momento para optar por uma taxa única no IVA, e de outros, que o corte dos subsídios poderia ter sido alargado ao sector privado, possibilitando um esforço médio menor, e mais equitativo para os funcionários públicos. Eu vejo as razões porque o Governo não quis ir por aí - os custos políticos seriam, no seu juízo, incomportáveis. Existem, no entanto, razões técnicas que justificassem a extensão da aplicação da medida ao sector privado? As consequências macroeconómicas da alternativa não seriam muito diferentes  - não haveriam, por exemplo, pelo menos de modo directo, alterações na estrutura de custos das empresas. Da argumentação do Governo, a diferenciação salarial do sector público versus o privado parece não se confirmar, mas o argumento da segurança do emprego não pode ser negado nesta conjuntura, e com as alterações legislativas laborais previstas, ainda mais Tudo visto, não consigo descortinar uma bondade técnica clara na crítica do Presidente. Ela poderá ser, contudo, correcta do ponto de vista político - veja-se o que diz o Pacheco Pereira quanto aos perigos de medidas que descriminam uma parte da população - mas, o facto de ser desadequada no quadro da actuação de um Presidente, e ainda assim, ter sido expressa, reforça a minha tese. A minha tese ela pode estar errada: um conhecido meu afirmava que os políticos acreditam, em regra, naquilo dizem (não são tão maquiavélicos como isso), mas tem piada.   

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