21 de janeiro de 2012

O ridículo do pastel de nata

O ridículo do pastel de nata não está no que o ministro disso a propósito, mas no ridículo que querem imputar ao que disse e na dimensão que lhe deram. A preocupação que se deve ter com o episódio é com aquilo que o episódio parece sugerir sobre  nós próprios.

O que o ministro disse é simples: o pastel é um recurso nacional (cultural, gastronómico), tal como a cortiça, as sardinhas enlatadas, o vinho de porto, e coisas quejandas, de qualidade comprovada e de fácil penetração em tudo o que é sítio, e que deve ser utilizado como aqueles para os devidos efeitos, a nível internacional  – um dos efeitos (admitá-mo-lo: trivial e economicista)  é gerar rendimento que possibilite o país financiar as compras (entre quais o novo carro, o novo portátil, a viagem a Cuba, as aparelhagens para o SNS, etc, etc.) que fazemos ao estrangeiro, sem aumentar o endividamento externo galopante que se verificou na última década  e que se constitui como a grande determinante do sarilho em que estamos metidos.  Elementar .

O ministro não referiu que a solução dos problemas nacionais está no pastel (ou na sua mera exportação, embora alguns o façam com sucesso, o que só reforça o argumento), mas disse implicitamente, que a solução passa, também, pelo erradicar da atitude que leva a que o país económico não aproveite as boas oportunidades de negócio específicas de que dispõe. O ministro o que quiz dizer é  que não não devemos, não nos podemos dar o luxo de desprezar nem o pastel de nata, nem os outros pastéis (em sentido estrito, enfatizo eu, porque  a doçaria nacional, resultado de termos sidos os primeiros grandes produtores da droga açúcar, é riquíssima – olhem, que belo exemplo, foi com ela que financiamos a gloriosa expansão no Atlântico de quatrocentos – e atrás do pastel de nata poderia marchar toda aquela) nem quaisquer outros produtos portugueses. O ministro poderia ter acrescentado, numa linha de intervenção pedagógica, que na área das exportações, se aplica o ditado da galinha encher o papo, grão a grão, e ter frisado que estava espantado pelo facto de alguém não ter feito com o pastel luso aquilo que os dinamarqueses fizeram com o queijo grego Feta. É óbvio que o ministro não tem a tarimba política dos useiros da política portuguesa – nenhum deles diria semelhante coisa; o ministro é naif; é um estrangeirado e não tem dignitas.

O desprezo de muita da elite portuguesa sobre os estrangeirados e as questões do pastel é um desprezo fidalgo, pré-revolução industrial, muito Ancien Régime, muito anti-economicista, alimentada pelo desconhecimento do país (nisso o Pacheco Pereira tem toda a razão), por todo o tipo de iliteracias, e pelo preconceito contra a possibilidade do que é português e bom, simplesmente por ser modesto, não passar lá fora e poder mesmo envergonharmo-nos – mais um afloramento da mania das grandezas e o do que é próprio  (leia-se Os Fidalgos da Casa Mourisca, para começar). É por isso que quando falam do regresso à terra, ou o regresso ao mar, não sabem do que estão a falar, não que esse propósito não seja correcto, mas porque não tem qualquer ideia do que isso exige para ser eficaz (ah, também, eficiente).

E o que é mais interessante, tendo em atenção que grande parte dessa elite é de esquerda,  é que à volta do problema do pastel se poderia articular mais um contributo para a narrativa (em grande parte correcta) do grande capital em Portugal só estar interessado na produção de bens não-transacionáveis, em sectores de acesso condicionado ao apadrinhamento do Estado, e na distribuição, na medida em que, apesar desse grande capital dispor dos meios para o efeito, deixar de lado, contra toda a racionalidade económica, oportunidades de negócio como lançarem, ou promover o lançamento, à escala global um bom franchising do pastel, do café, etc. (um Starbucks luso, como já existe um McDonal's do frango do churrasco - que nos valham os emigrantes, portugueses sem pretensões, que limitam-se a vender aquilo que vende). O desprezo subjectivo (e objectivo) manifestado quanto ao pastel é mais um  indicador da fragilidade e falta de profundidade do capitalismo luso, mas ao mesmo tempo, de grande parte da esquerda, que não conhece o seu país, o mundo em que vive, e que, nem, ao menos, leu algumas coisas ...

Aliás, recuperando a polémica sobre o patriotismo do grupo Jerónimo Martins, para mim a grande questão nunca foi a transferência do domicílio fiscal para o Holanda, mas saber se a sua  internacionalização induziu um aumento interessante da exportação de produtos portugueses, e obviamente, já agora, se ocorreu ao grupo pôr os polacos a comer o pastel, entre outras coisas. Se assim não aconteceu, ou não são bons gestores, ou não valorizam o que o país tem e não são patriotas, o que, convenhamos, vai dar tudo no mesmo: Q.E.D.

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