Tenho estado de molho, e isso acomodado com dados estados de alma e de prática, explicam a minha ausência do Notas II. O que se segue vem a propósito do 25 de Abril. Penso ter já referido o livro do Paulo Trigo Pereira. Repito que é um livro a ler - haveriam qualificações a fazer, mas nada de particularmente relevante para já.
Paulo Trigo Pereira, autor de “Portugal: Dívida Pública e Défice Democrático”, explica o actual estado do País.
Porque chegámos ao ponto a que chegámos de insustentabilidade das
finanças públicas e de necessidade de impor sacrifícios acrescidos aos
portugueses? Porque tendem as democracias a produzir défices e que
reformas de natureza institucional são necessárias? "O principal
objectivo deste ensaio é dar resposta a (estas) duas questões",
ambiciona, na nota introdutória, Paulo Trigo Pereira, autor de
"Portugal: Dívida Pública e Défice Democrático".
E consegue. De leitura fácil e repleto de dados económicos
interessantes, neste livro, cujo argumento central é que "os problemas
das finanças públicas derivam de fraca qualidade da democracia",
encontramos explicações para a actual situação económica. Leia abaixo a
entrevista ao autor, que pode ser lida na íntegra no ‘blog'
livrosemanias.blogs.sapo.pt.
Porque tendem as democracias a produzir défices?
Há
várias razões. Primeiro, porque os cidadãos não estão geralmente bem
informados e tendem a premiar políticos que descem, ou não sobem,
impostos e agrada-lhes quem faz "obra". Isto é, aumenta a despesa, sem
verem a conexão directa com a despesa pública. Depois porque, sem
limites ao endividamento (em qualidade e quantidade), as gerações
presentes impõem um ónus às gerações futuras, que ainda não estão cá, ou
ainda não têm idade para votar. Finalmente, porque a democracia assenta
demasiado na competição política, não havendo grandes incentivos para a
cooperação que, em certas reformas estruturais, é crucial.
Até que ponto é que a democracia está relacionada com o desenvolvimento económico; e vice-versa?
Há
certos tipos de democracia que são obstáculos ao desenvolvimento
económico, mesmo em países desenvolvidos. Quando o Estado é
caracterizado por um corporativismo social, com grupos de interesse e
lóbis enraizados defendendo interesses particularistas, contra o
interesse geral, aqui não existe desenvolvimento. A sociedade em vez de
ter incentivos que promovem o desenvolvimento, a criação de riqueza e a
redistribuição generalista para os mais carenciados promove, pelo
contrário, estratégias rentistas e redistributivas de satisfação de
clientelas com poder de influência.
No caso português: será que corremos o risco de ficarmos
menos desenvolvidos com tantas medidas de austeridade? Será que nos
podemos tornar num país mais desigual e menos democrático?
Devemos
distinguir "austeridade"(por exemplo corte de salários) de
"consolidação orçamental" (redução de défice e dívida), pelo que pode
haver consolidação, que é essencial, com mais ou menos austeridade. Só
por si, a consolidação não leva a maior desigualdade e menor democracia.
Depende da forma como for feita.
Se tiver que enumerar cinco variáveis "responsáveis" pela actual situação da nossa dívida pública, essas são?
Escolho
duas económicas, uma "cultural" e duas políticas. Desorçamentação
(saída de organismos dos orçamentos das administrações públicas),
Parcerias público-privadas particularmente no sector rodoviário, a
"cultura" do défice natural, eterno e virtuoso, o sistema eleitoral
(fechado e bloqueado), e o financiamento dos partidos políticos, sem
consignação de verbas a grupos de estudo internos.
...
Numa perspectiva económica, o fado português tem um traçado cíclico?
A
qualificação das pessoas é essencial. As Universidades necessitam de um
"choque de mobilidade" do seu corpo docente, para melhorar a sua
qualificação e, através dela, a dos seus alunos. Ao fim de cinco anos,
todos os doutorados deveriam ser obrigados a concorrer a outra escola.
Os Politécnicos ganhariam com maior qualificação do seu corpo docente. A
formação de quadros na Administração deveria ser de qualidade, o
contrário do que está a acontecer com a extinção do Instituto Nacional
de Administração (INA).
Acredita que os sacrifícios pedidos aos portugueses valerão a pena?
Nem
todos os actuais sacrifícios são necessários, pois há escolhas que
este governo fez e com as quais discordo, por não serem universais e
equitativas. Trata-se de opções governamentais e não de necessidades.
Mas parte dos sacrifícios são necessários, e não só não temos uma
alternativa como há já alguns resultados positivos desta perca parcial
de soberania. Enterrámos alguns projectos megalómanos e estamos a
aumentar a transparência da Res Pública, isto é da coisa pública que é
financiada por todos nós. Estamos mais pobres, mas porventura mais
solidários e decerto mais atentos ao que se passa nesta nossa casa comum
chamada Portugal.