5 de março de 2008

Educação em Portugal (II)

Tenho acompanhado a discussão do processo. Não sei, se o que provoca a onda de protestos, não é, muito mais do que o mero método de avaliação - já que, parece, ninguém contesta a avaliação em si, e ainda bem que é assim. O método de avaliação - depois de ouvir o MRS, e ver o fluxograma do processo de avaliação na primeira parte do Prós e Contras - assustava, por aquilo que parecia promoter, de carga burocrática e inoperacionalidade; depois, a intervenção de um especialista da área da avaliação, nesse debate, qualificou o pretendido pelo Ministério de Educação como não sendo nada do outro mundo. Tudo visto, a minha dúvida é se a ênfase colocada no método de avaliação não esconde, de modo táctico, a questão determinante para os professores, que é o acesso automático aos escalões superiores da carreira - compreende-se: este método de avaliação possibilitaria operacionalizar a selecção dos que acederiam a esses escalões (atenção: é aquilo que depreendo do que vou ouvindo).




Sempre pensei que o sistema educativo português: não se avaliava, não se quantificava, não se comparava e aprendia com o exterior, do modo devido, e que a responsabilidade da sua envolvente - famílias, sociedade, actuação política, etc. - era determinante nos resultados (insuficientes) que obtinha - tentarei recuperar coisas que escrevi e coisas que li, a este propósito, para este blogue.




No entretanto, tenho aqui, um artigo de Miguel Castro Coelho, no Diário Económico, Avaliação chumba, que importa ser lido e reflectido (alguns pontos bem direccionados) - note-se: as implicações do que diz, a serem aceites, dariam uma reforma muito mais dura, para todos, do que é proposto neste momento, e, em todo caso, levariam à conclusão deste debate estar completamente descentrado do verdadeiro nó da questão.




"O novo regime de avaliação de professores não passa nos mais elementares testes de aptidão. Não tenho a mais pequena dúvida quanto à benevolência das intenções dos autores da iniciativa. E aplaudo com entusiasmo a vontade política para gerar mudança. No entanto, nos termos em que foi desenhado, este regime de avaliação apenas exprime uma tentativa de micro-gestão a partir do Terreiro do Paço talhada a falhar. Na prática, limita-se a acrescentar uma nova camada de requisitos burocráticos na gestão das escolas. Pelo caminho, comprou uma guerra desnecessária com os professores.Sejamos claros quanto à importância do tema em questão.






Dizem os estudos da economia da Educação que a “produção” de alunos de qualidade depende, em primeiro lugar, do nível socio-económico do aluno, e em segundo lugar, da qualidade dos professores. Um estudo recente da Universidade de Bristol sugere que a qualidade dos professores conta cerca de um terço da qualidade do aluno (incluídos os tais factores socio-económicos) para a “produção” de alunos de qualidade – uma estimativa que está, de resto, em linha com os resultados de outros estudos internacionais. Se se tiver em conta, contudo, que a qualidade de cada professor afecta vinte ou trinta alunos por cada turma, fica-se com uma ideia da importância desta variável para a qualidade global do sistema de ensino.




Perante isto, é conhecido o modelo do Ministério da Educação para estimular docência de qualidade: forçar sobre cada escola um regime de avaliação de professores uniforme, desenhado ao pormenor a partir do centro. Por outras palavras, um exercício de micro-gestão ao pior estilo ex-URSS; o exemplo acabado de centralização descontextualizada; e a prova de que está vivo o tradicional espírito legalista português, segundo o qual no mundo tudo se transforma por lei ou decreto-lei (pena é que, tal como na física, também por esta via nada se perca e nada se crie…).






O que, de facto, devia ter sido feito: (I) intervir a montante no recrutamento de professores (reservar o acesso a cursos específicos de formação de professores a candidatos com curriculum universitário de topo, capacidade de relacionamento interpessoal, comunicação, vontade de aprender e ensinar, excepcionais); (II) descentralizar a gestão do corpo docente para o nível da escola, e avaliar a ‘performance’ das escolas (e não dos professores) a partir do centro (i.e. do Ministério da Educação). Por outras palavras, transferir a capacidade de gerir a qualidade do corpo docente para gestores escolares profissionais (professores ou não), recrutados e responsabilizados pelos resultados do processo de avaliação das escolas a partir do centro.Para conseguir fazer uma avaliação objectiva do desempenho de cada escola por comparação com escolas congéneres, o Ministério da Educação tem que se tornar num ‘hub’ de informação sobre todo o sistema.






A má notícia é que está muito longe de o ser. Num projecto-piloto que abrangeu 100 escolas (Avaliação Externa das Escolas – Relatório Nacional 2006-2007, publicado a 27/02/2008) a Inspecção-Geral da Educação (um dos braços do Ministério da Educação) não conseguiu sequer reunir informação fiável sobre o contexto socio-económico das escolas… tão só e somente aquele que é, indiscutivelmente, o factor mais importante a ter em conta na avaliação do desempenho das escolas. Pior do que isto, só mesmo o caminho analítico que o relatório adopta: o da prosa oca, com ares pseudo-técnicos, muito similar ao da consultoria privada desinformada.






Em vez de tentar ensinar as escolas a avaliar professores, o Ministério da Educação devia esforçar-se por aprender a avaliar as escolas. A esse respeito, o trabalho até agora feito é de nível profundamente medíocre. Sei que há no país especialistas na matéria com créditos firmados ao nível internacional. Trabalho no meio e já perdi a conta ao número de excelentes artigos académicos publicados por portugueses em jornais internacionais de referência. Mais surpreendente é que algumas dessas pessoas trabalham para o próprio Estado (mais concretamente, estão no Banco de Portugal). A peça que falta no ‘puzzle’ é vontade de fazer uso dos melhores recursos do país."

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