14 de abril de 2008

Estado e economia: a percepção dos políticos

Teodora Cardoso, no DiarioEconomico.com, tem um artigo (como sempre) muito oportuno: Comandos e contratos, sobre a relação, em Portugal, entre o Estado e o domínio da economia e como essa relação, em evolução, é vista pelos intervenientes político-partidários. Atenção: este é um texto de esquerda (mesmo que a autora possa recusar essa adjectivação) e, se não percebem isso, deviam preocupar-se (devem tomar isto como sendo dito com alguma ironia simpática e acomodada). O artigo (o bold é meu):

"Uma coincidência acidental dos últimos dias suscita uma reflexão sobre o que está a passar-se na economia portuguesa e sobre o modo como os políticos a vêem. Na sexta- feira da passada semana, o Jornal de Negócios publicou uma entrevista de fundo com António Borges, destacando como chamada de primeira página a afirmação de que “temos um regime dominado como o do dr. Salazar”, o que pretende sublinhar o carácter de economia comandada politicamente e o excesso de intervenção governamental. Na terça feira seguinte, numa audição no Parlamento, o secretário de Estado da Indústria, Castro Guerra, procurava explicar a um deputado do PCP (que o interpelava sobre a não intervenção do Governo no fecho de fábricas de empresas multinacionais) que a política económica se rege hoje em dia por princípios contratuais e que, por consequência, as decisões do Governo têm que respeitar os contratos firmados anteriormente, pelo actual governo ou por outros.
Desde há anos – sobretudo desde que aderimos à UE – que o problema de fundo da política económica portuguesa reside em fazer a transição entre um sistema de decisões arbitrárias do poder político, determinadas pelas conjunturas e reversíveis em função delas, e um outro em que o Estado passa de emissor de comandos, produtor de serviços e determinante na decisão de investimentos para, respectivamente, regulador, supervisor e parceiro contratual.
Um dos aspectos mais problemáticos dessa transição reside no facto de a dificuldade em a concretizar se dever actualmente mais aos grupos de interesses que beneficiavam do anterior sistema que ao próprio Estado. Este foi já obrigado a aceitar a mudança, por força do enquadramento externo e, mais directamente, porque atingiu os limites do endividamento, dos fundos estruturais e da capacidade competitiva assente em actividades pouco exigentes em qualificação. Aqueles, porém, mantêm, à direita, a aspiração ao controlo do poder político e, à esquerda, as ilusões de que os salários ou o emprego se decretam, de que a saúde é gratuita, etc.
Prosseguimos, por isso, um debate ideológico estéril, não por falta de justificação para diferentes opções nesse plano, mas porque se procura impô-las pela conquista do poder, único instrumento que, nos termos deste debate, permitiria atingir os fins desejados. Acontece, porém, que tal postura não se coaduna com a alternância a que a democracia inevitavelmente conduz e apenas leva a oportunismos políticos que fragilizam as instituições e o próprio poder.
Falta-nos, assim, discutir seriamente problemas actualmente candentes como o da eficiência dos serviços públicos ou do investimento, a par com o da distribuição mais equitativa do rendimento, que já não pode ser ignorado, mas que não pode ser resolvido, nem por decretos governamentais, nem pela distribuição de fundos provenientes do exterior, nem pelo princípio liberal de que ‘a rising tide lifts all boats’. O crescimento a curto prazo esconde, de facto, durante algum tempo, as iniquidades, mas só para as tornar mais evidentes quando, usando a mesma metáfora, a maré baixa. Discutir estes problemas supõe debater o papel do Estado, mas não na forma que o reduz à transferência da prestação de serviços públicos para o sector privado, financiados pelo Estado em termos idênticos aos actuais. A simples transferência de rendas entre grupos de interesses não só não garante ganhos de eficiência, como dela não resulta a possibilidade de ganhos fiscais.
A mudança do papel do Estado tem de torná-lo num regulador, supervisor e parceiro contratual eficaz, o que supõe competências, formas de organização e até mentalidades que nunca foram privilegiadas entre nós. Os confrontos em matéria de avaliação mostram a dificuldade do tema e revelam também a convergência entre a esquerda e a direita em recusar a mudança efectiva do papel do Estado, não obstante retóricas (nem sempre) opostas. A retórica, porém, nunca resolveu problemas. Também neste caso não o fará, sobretudo se tentar inverter os termos da questão, qualificando de “regime dominado” aquele que está a pôr termo ao domínio, aliás com uma resposta da sociedade e da economia muito mais positiva do que a que transparece do discurso político."

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