24 de junho de 2008

Uma dado modo de fazer oposição...

A coluna é de António Correia de Campos, no Diário Económico, As rendas da indignação, e comenta o modo e o conteúdo que o PCP tem imprimido recentemente à sua oposição ao Governo do PS. Não estou de acordo com as conclusões - a política é a arte de fazer o possível e este é o possível ao alcance do PCP. O programa leninista da "análise concreta da situação concreta" deixou há muito de ser tentado - exige no mínimo que se perceba (se estude, se investigue) o mundo em que se vive - pelo que, na sua ausência, recicla-se tudo o que já foi dito e ritualiza-se a actuação política conforme o cânone de sempre: no entretanto, o mundo transforma-se, às vezes dando a impressão de lhes dar razão (prestam atenção a estes sinais); outras, de modo radical a caminho de novas manhãs muito diferentes e muito perigosas (aí não percebem). As diferenças de actuação, que se podem vislumbrar, num ou noutro momento, não são significativas.

"Segundo os jornais desta semana, dirigentes e militantes do PCP estiveram na vanguarda do “buzinão” da semana passada, de automobilistas e agricultores, contra o aumento dos combustíveis. Deputados à Assembleia da República e ao Parlamento Europeu, autarcas eleitos pela CDU, dirigentes regionais e concelhios do PCP, desta vez não se limitaram a concitar os militantes, ou a articular com a CGTP a movimentação dita “popular”. Assumiram a sua participação física e plena, ao contrário do que fizeram, em 2007, com as pequenas manifestações “ad hominem”, contra José Sócrates, ou contra a ministra da Educação, ou contra o ministro da Saúde: cartazes plastificados, enroláveis, que viajavam entre várias localidades do país....

...Sabemos bem que legítimas queixas dos serviços públicos continuam a rolar sem engrossarem manifestações. São essas que nos devem preocupar. O que há agora de novo, é o facto de andorinhas e cesteiros se situarem em escalão mais elevado na hierarquia dos manifestantes. Um novo patamar de luta.

Mas também é nova a postura de proposta de medidas. Vieram algumas na imprensa, reconhecemos o esforço de dar credibilidade à indignação. Mas quando olhamos as propostas, verificamos que algumas já foram anunciadas pelo Governo, como o congelamento dos passes sociais e dos títulos de transporte para além de Lisboa e Porto, ou o gasóleo profissional; outras estão a ser equacionadas ao nível europeu, como os impostos sobre os lucros das empresas petrolíferas.

As restantes são o que se esperava: mais despesa pública no caso do aumento intercalar de vencimentos da função pública e no aumento de 4% nas pensões mais baixas, tabelamentos artificiais de preços, condicionamento da Caixa Geral de Depósitos congelando-lhe e só a ela, o valor do ‘spread’ e um novo aumento do salário mínimo, após o último e o maior aumento realizado em muitos anos.

Dir-me-ão que estes políticos não sabem economia. Não acredito, sabem perfeitamente que o congelamento de preços de bens alimentares conduz ao açambarcamento e ao mercado negro, com pesadas penas para as classes baixas; que a fixação administrativa do ‘spread’ da CGD lhe retiraria competitividade no mercado bancário, que os aumentos de pensões e ordenados têm que ser pagos por alguém: ou por mais impostos ou pelo pequeno consumidor através de insidiosa inflação. Os manifestantes, pelo menos os dirigentes, conhecem bem estes efeitos e se necessitarem de reciclagem podem ler o claro artigo do dr. Silva Lopes, na semana que passou, em um jornal económico: quando a crise é importada, como a dos combustíveis, quase todas as medidas administrativas e de redução de impostos têm efeitos piores que a simples adaptação pela redução dos consumos energéticos, activos ou passivos.

O que faz, então, o PCP assumir a passagem a nova e mais assumida forma de luta? Não é claro, mas não se deve excluir o empolgamento pela vertigem da indignação. Talvez todos devamos ler a história de Maio de 68: movimento espontâneo inicial, partidos a tentarem o seu controlo, rejeição da veleidade liderante dos partidos, ‘pagaille’ generalizada, acordos de Grenelle e, no final, eleições ganhas de forma retumbante pela direita.Claro que a história se não repete, mas deve sempre aprender-se com ela."

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