24 de junho de 2008

Investimentos, problemas e demagogia

Argumentar que é necessário deixar de fazer alguns projectos de investimento público para acudir a necessidades sociais é pura demagogia. Ferreira Leite poderia ter discutido a composição desse investimento, o sentido estratégico de alguns das suas componentes e a sua rendibilidade sócio-económica, mas nunca dar a entender (implicitamente) que está em causa o seu montante global medido em percentagem do PIB e que a sua redução deveria ser canalizada para a sustentação do consumo, ainda que dos mais desfavorecidos.

A situação do país - e, a do mundo - coloca efectivamente questões muito mais sérias ao modo como se efectiva o investimento público. Mais do que nunca deve ser criterioso e cuidadoso. O cuidado redobrado resulta das alterações em curso - que irão mudar radicalmente o modo como as nossas sociedades funcionam em termos, nomeadamente, do uso da energia - irão introduzir graus superiores de incerteza sobre a bondade de projectos de investimento dedicados, por exemplo, ao transporte rodoviário e aéreo (aeroportos). A incerteza aumenta porque não se sabe quando todas as consequências deste panorama novo se irão efectivar: se se não constrói aeroportos, perdem-se oportunidades de crescimenhto e criam-se estrangulamentos; constróiem-se os aeroportos e não sabemos se a evolução do preço dos combustíveis (ou a necessidade de conter o crescimento do CO2) faz colapsar, no entretanto, o transporte aéreo com o período de vida útil do projecto ainda a decorrer. É defensável, por isso e à cautela, haver desde já um enviesamento acrescido para os investimentos nos transportes públicos, no transporte ferroviário, na eficiência energética, etc.

Mais do que nunca o investimento público deve ser portador de um sentido estratégico assente numa devida reflexão e conhecimento de onde se está e para onde se vai.

Pode-se e deve-se discutir, ainda que num ambiente de grande incerteza, a composição do investimento público e nunca o seu nível - necessário como sustentáculo da procura agregada, numa altura que o investimento privado continua anémico. Assim, o TGV Lisboa-Porto é bastante discutível; o Lisboa Madrid já não o é, e assim sucessivamente.

Duas opiniões a reter sobre a entrada de Ferreira Leite: O primeiro dia - Editorial DiarioEconomico.com e A estratégia de silêncio - DiarioEconomico.com. Deste último, de Pedro Adão e Silva, a conclusão:

"O que o país manifestamente precisa é de mais política, assente em clivagens claras e organizada por princípios agregadores, de modo a contrariar a descrença na capacidade das alternativas político-partidárias em responder de modo diferente aos problemas económicos e sociais que a sociedade sente. O que Ferreira Leite tem para oferecer é menos política e mais indiferenciação ideológica. Entretanto, enquanto prossegue a estratégia de silêncio, o PSD de Ferreira Leite está a criar incentivos para que o sistema partidário português evite a clarificação ideológica: um contexto que tem servido instrumentalmente também ao PS mas que ajuda a aumentar o desinteresse face ao sistema e a desafectação dos cidadãos perante os partidos políticos."

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