17 de dezembro de 2008

A dita discussão das esquerdas

A esquerda deixou há muito de discutir, de estudar, de analisar (1). A esquerda, toda a esquerda, deixou de ser contemporânea do momento em que se vive - um exemplo: a esquerda ignora a questão das alterações climáticas e as implicações de todo o tipo que elas acarretarão. Interpreta o que se passa na base de quadros explicativos desactualizados, de saberes alheios que não interiorizou pela discussão política, e a sua prática organizativa - se a há - é reconduzida a reflexões e preceitos pensandos no princípio do século XX (é o caso do centralismo democrático). A esquerda não tem autonomia intelectual, e por isso não tem autonomia política face às diferentes soluções "tecnocráticas" alternativas com que é confrontada - ou as aceita acriticamente, ou as repudia acriticamente.














Uma ideologia de esquerda complexa e actuante necessitaria de ser alimentada pela discussão política interna às organizações, por práticas transformativas, pelos contributos das ciências sociais, por uma atenção cuidada às outras ciências, por uma reflexão crítica da sua prática histórica (da prática de toda a esquerda - a ausência disso, por exemplo, em relação ao que se passou quanto à experiência no Leste, é tão má para a esquerda socialista, como o é para a esquerda comunista). Ora, isto não é mais do que reproduzir agora, aquilo que era a prática da esquerda no século XIX e princípio do século XX - eles discutiam; eles estudavam; eles organizavam; eles militavam; eles convenciam; eles discutiam o momento; eles tentavam transformar o Mundo...













A ideologia das esquerdas actuais, por tudo isso, ou é a dos bons sentimentos, ou é a da explicação do mundo por algo que foi relevante há muito.










Daí, iniciativas como a apadrinhada por Manuel Alegre e pelo Bloco de Esquerda, nunca darão em nada, de um ponto de vista da criação de respostas alternativas, de respostas adequadas, de respostas de esquerda aos problemas (prementes) de transformação das nossas sociedades. Podem ter efeitos no jogo eleitoral, mas para além disso, são totalmente vazias de conteúdo e de efeitos concretos (ver Vital Moreira em Causa Nossa).










Um exemplo: o Expresso da semana passada refere que um dos intervenientes no fórum "Democracia e Serviços Públicos", João Semedo, deputado do BE, fala da necessidade de "uma gestão [hospitalar] por resultados clínicos em vez de resultados financeiros", ou parafraseando (ironicamente): a Eficácia no SNS, é de esquerda; a Eficiência no SNS, é de direita. Para mais um exemplo, agora ao modo como foi discutida a questão da educação, ver: Canhoto: E é isto a renovação da esquerda? Um comentário (indirecto) ao tema do fórum, ver aquilo que diz a Secretária de Estado da Modernização Administrativa Maria Manuel Leitão Marques (trabalho excelente, até onde posso ver): Uma administração pública com futuro - DiarioEconomico.com.








E ainda ver o que diz Pedro Adão e Silva: Irresponsabilidade histórica - DiarioEconomico.com:












"... Mas, acima de tudo, a escolha do PS como principal adversário das outras esquerdas tem limitado a consolidação de uma coligação política e social que permita enfrentar com robustez alguns dos problemas que o país enfrenta, maxime as desigualdades. Há umas semanas, Rui Tavares, num artigo no Público, justificava o peso eleitoral da esquerda em Portugal com o nosso padrão de desigualdades.








Se assim é, combater as desigualdades deveria ser “uma responsabilidade histórica” e, pressupõe-se, um bom tema para o diálogo à esquerda. Será possível? Não se combatem as desigualdades de hoje com os instrumentos do passado e muito menos com uma visão fixista do papel das políticas públicas face a “forças irresistíveis”. Centrando-me apenas em três dimensões fundamentais para enfrentar com eficácia as desigualdades: precisamos de mecanismos de regulação do mercado de trabalho sensíveis à transição para uma sociedade pós-industrial; de modernizar a protecção social de modo a compatibilizá-la com as transformações demográficas e de encontrar formas inovadoras de superar o défice de qualificação dos activos.








O problema é que, por exemplo, enquanto não for abandonada a posição conservadora e retórica que trata, num típico exemplo de reflexo de Pavlov, a “flexigurança”, a sustentabilidade da segurança social ou as “novas oportunidades” para os activos como “políticas de direita”, dificilmente as esquerdas poderão conversar de modo consequente sobre o combate às desigualdades.








Ora perante a incapacidade de romper com o velho tabu, o sinal que saiu do “encontro das esquerdas” é de que o caminho a percorrer em Portugal pode ser semelhante ao percorrido na Alemanha, com a criação do Linke (uma cisão do SPD, liderada por Oskar Lafontaine, a que se juntaram outras esquerdas). Talvez valha a pena recordar as consequências do novo partido para a Alemanha: pulverização eleitoral que empurrou o país para uma situação de ingovernabilidade, que, por sua vez, levou a uma coligação de “bloco central”... ".




No entretanto, Vital Moreira lembra a diferença entre o PS e os partidos à sua esquerda (Causa Nossa). De acordo com a tipologia...


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(1) Em Portugal o problema agrava-se: não se pensa - (não pensa a esquerda; não pensa a direita) - afirma-o João Wengorovius Meneses, em Projectar o futuro - DiarioEconomico.com:




"... Em Portugal pensa-se pouco e mal. Num contexto de sociedades do conhecimento e de realidades crescentemente complexas, dinâmicas e interdependentes, é incompreensível que não haja, em Portugal, centros de pensamento capazes de dinamizar e catalisar novas e melhores respostas aos desafios económicos, sociais e ambientais que enfrentamos..."
















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