7 de janeiro de 2010

Irritações (maiores, estas)

Um mérito que teve Copenhaga foi o de nos proporcionar um vislumbre do que alguma "intelligentsia" portuguesa sabe, e pensa, deveras, sobre o assunto das alterações climáticas. Lá fora, o assunto é encarado a sério: quer se considere que existe um problema real, e sejamos nós os responsáveis dele - quer se considere que o erro deliberado, ou induzido, dos que suportam a primeira alternativa, irá comportar mudanças de política económica e energética, com alto custo de oportunidade, e com consequências graves sobre o nível de vida das populações dos países desenvolvidos e em vias de desenvolvimento.

Na Austrália, a questão do aquecimento global, e a sua evidência empírica, são peças centrais do debate político actual, e desde já regulamenta-se a construção de habitações ao pé do mar, devido à prevista subida do nível das águas do mar (para quando no país? e na região?); no Reino Unido, discute-se a necessidade de adaptar a sua agricultura de molde a prevenir a possibilidade de problemas de escassez alimentar, decorrente do agravamento das alterações climáticas; a China atribui a responsabilidade dos fenómenos metereológicos extremos que estão  lá ocorrendo, neste inverno, ao aquecimento global, e muito mais exemplos poder-se-iam dar - nos EUA, claro, como é bem sabido, a Administração Obama fez da legislação sobre as alterações climáticas, conjuntamente com a da saúde, as traves mestras do seu programa de reformas*.

Em Portugal, certa "intelligentsia" ironiza sobre a questão.

Em Portugal, no Expresso, Henrique Monteiro, e Henrique Monteiro, falam de crenças ambientalistas a propósito do aquecimento global (e exige, o primeiro, que tem lido muito sobre o assunto, provas!) e Nicolau Santos [tenho pena, porque respeito o senhor], em 24 de Dezembro, ironiza com o frio e o aquecimento em Copenhaga, a demissão de Phil Jones do Climate Research Unit, e com todo o processo de Copenhaga. Quase todos ironizam. O Professor José Medeiros Ferreira também ironiza: Bicho Carpinteiro: O Clima como mercadoria: "A cimeira de Copenhaga sobre o aquecimento global terminou com um frio de rachar. Em termos de clima creio mais na natureza do que nos homens." Já o Pacheco Pereira, que, honra lhe seja feita, não ironiza, fala de tremendismo (catastrofismo) climático, misturando-o, sem qualquer qualificação, com um conjunto de teorias conspirativistas, e anti-científicas  (aqui), e o seu artigo sobre Copenhaga  (aqui), totalmente virado para as cenas de pancada que houve, é concluído assim: "Pode a cimeira chegar aos melhores resultados que eles [os arruaceiros anarquistas, marxistas ...] continuam imperturbáveis, com o silêncio incomodado dos que fazem de conta que isto não acontece e só vêem à frente o bonacheirão politicamente correcto Al Gore". Enfim, estamos entendidos - neste último caso, Pacheco Pereira, também, ironiza.

Sinceramente, quase que prefiro os desvarios conspirativistas do investigador universitário Fernando Gabriel (aqui), e a "frontalidade" dos denegacionistas que polemizam no Ambio [perdi algum tempo, em Dezembro, nessas guerras - esta nota de hoje, da Ambio, aliás, seria de leitura proveitosa para todos os visados acima], a contrário do que os colaboradores daquele blogue defendem.

Ser apelidado de crente já em assim seria irritante (eu, que me considero ateu de nível 4, na escala de Dawkins), mas mais irritante foi ter perdido tempo a elaborar dois e-mails (pedagógicos) para os jornalistas que o serviço de correio electrónico do Expresso se recusou a receber - vamos admitir que esse serviço esteja com problemas técnicos.

Mas a ironia dá cabo de mim. É uma ironia analfabeta e inculta do que está em causa. É uma ironia sombranceira e displicente que assenta na ignorância de aspectos básicos que deveriam informar minimamente a banda larga da cultura de  qualquer um que se queira manifestar  a este propósito (a favor, ou contra). Repito, o problema do aquecimento global é sério, qualquer que seja a volta que se lhe dê - ou está a suceder, e vai agravar-se, e as consequências não necessitam de adjectivação, ou então, como diz Daniel de Sá (reproduzido aqui): Seria necessário imaginar uma cabala sem precedentes para explicar porque quase toda a comunidade científica que estuda o fenómeno entrega a sua credibilidade à tese da influência humana no aquecimento global":e uma cabala dessas dimensões teria consequências muito graves: para não falar de outras [o perigo para a democracia, etc.] o desvio de recursos com alto custo de oportunidade (Bjorn Lomborg dixit) para a caça aos gambozinos de matriz ambientalista (ou esquerdizante, na versão de outras fontes). Se é sério não pode ser tratado, repito, de modo displicente - se não sabem (como cidadãos contemporâneos do seu tempo deveriam sabê-lo: não têm desculpa cívica alguma), perguntem, informem-se, e tenham coragem de assumir uma posição clara.

A fundamentação do que digo, imediatamente acima, é fácil: quer o jornalista Nicolau Santos, quer o professor José Medeiros Ferreira, mas possivelmente todos outros, não sabem a diferença entre aquilo que é clima (área da climatologia) e aquilo que o tempo (área da meteorologia). E por isso ser tão básico e tão elementar, é que é um elemento de informação definitivo e suficiente para sustentar um juízo de valor concludente sobre o cabimento da sua ironia neste particular, ou sobre qualquer juízo que profiram sobre este assunto.

E os exemplos abundam, e não é necessário sair do país: nos Açores, em Dezembro passado, a propósito da enxurrada anómala que sucedeu, as declarações do professor da Universidade dos Açores Félix Ribeiro***, ilustram essa diferença. Em notas que se seguirão vou publicar um conjunto de referências que discutem e ilustram isso - e demonstram também que as pessoas em causa não estão sozinhas (seria curioso saber se gostam, no entanto, da companhia - não vou fazer a desconsideração de pensar que sim).

No entretanto, e para finalizar, e para dar um exemplo de que tipo de erro estamos a falar, é como se as pessoas que alvitram ser as baixas temperaturas verificadas no hemisfério norte (não em todo ele, note-se: mais sobre esse aspecto em notas seguintes) uma prova da inexistência de um fenómeno de aquecimento global, defendessem, na base desta notícia: -  Japanese survivor of two atomic bombs dies | World news | guardian.co.uk: "Tsutomu Yamaguchi, the only person officially recognised as a survivor of both the Hiroshima and Nagasaki atomic bombings at the end of the second world war, has died aged 93." - o carácter inerme das bombas atómicas (sim, eu sei, eu estou a forçar a eficiência do exemplo, mas a sobre-ênfase da mensagem torná-la-á mais eficaz - pois é, eu, também, estou a ironizar).

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*Tudo isso a ser referenciado em notas posteriores sob a etiqueta aquecimento global.
*** Diário do Campus de Angra do Heroísmo da Universidade dos Açores: Má limpeza da ribeira não explica a catástrofe | Félix Ribeiro"Para além das causas naturais, que outro tipo de situações podem ter contribuído para que que os estragos fossem elevados? Investigações recentes revelam que as mudanças climáticas influenciarão os padrões de precipitação, mas o aumento de precipitações extremas não ocorrerá uniformemente em todo o mundo. No caso em questão, não há dados suficientes para garantir que é uma consequência das alterações globais, ademais porque existem registos históricos que demonstram que tal tipo de eventos já ocorreram na mesma freguesia."

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