Na verdade, a visão dominante no Governo é mais liberal-conservadora do que libertarista. O liberalismo deste Governo fica reduzido à esfera económica e social e é conjugado com uma postura conservadora em matéria de costumes, tal como defende o CDS. Isso nota-se em muitas passagens do programa, como por exemplo no recurso retórico aos valores da família (ao mesmo tempo que lhe são retirados benefícios reais).Um aspeto em aberto é o de saber se o liberalismo anti-igualitário e conservador deste Governo será ou não democrático. Parece-me significativo que Passos Coelho tenha nomeado como seu assessor político alguém que considero ser o nosso mais talentoso crítico da democracia: o meu amigo e ex-aluno Miguel Morgado. Uma das ideias fortes do Miguel é a de que "todos os Governos funcionantes são autoritários" e que, em democracia, não é possível a existência de autoridade. Isso leva-me a pensar que a grande tentação do actual Governo, no seu afã de ser "funcionante", consistirá em invocar uma espécie de estado de emergência - a lembrar Carl Schmitt - devido à ameaça de bancarrota, impondo autoritariamente à sociedade portuguesa uma liberalização radical da economia e das funções sociais do Estado, muito para além do memorando de entendimento e contra o espírito da Constituição. Para isso não será necessário um golpe de Estado no sentido clássico. A invocação da absoluta excecionalidade do momento será suficiente, desde que os restantes órgãos de soberania, em especial o Presidente, deixem passar a procissão.
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