3 de janeiro de 2008

A quente...

A propósito da entrevista de Ferro Rodrigues - versão dada na televisão (não gostei do que ouvi):
  • Os governos de Guterres não foram bons governos no que diz respeito à
    actuação do Primeiro-Ministro e, nomeadamente, da condução (estratégica) da
    política económica - não houve a frontalidade de solicitar ao país, a
    maioria absoluta, em qualquer das eleições; não houve coragem de enfrentar
    alguns dos problemas difíceis que, neste momento, estão a ter uma resposta (boa
    ou má, não está aqui em discussão); houve
    falta de sentido estratégico; imperou, sempre, o tacticismo, a atenção às
    sondagens; malbarratou-se a janela de
    oportunidade criada pelas consequências do processo de adesão à UEM. O tratamento dado às autonomias, não invalida esta
    apreciação. Guterres, fez bem quando se demitiu.
  • Sócrates destoou no segundo governo de Guterres - veja-se a sua actuação enquanto
    ministro do ambiente. Sócrates é diferente de Guterres - dizia o Expresso, antes
    das eleições, que Sócrates teria afirmado ser impossível obter um
    segundo mandato, face àquilo que era necessário fazer no País: isto é, o
    que era imperioso fazer, era colocado por ele, em primeiro
    lugar. Sócrates, parece ser, por tudo isso, um político de missão e de
    convicções (operacionais e estratégicas) - ao nível dos princípios,
    todos são bons - enquadrável, no conjunto dos políticos, para os
    quais ganhar as eleições é, tão somente, um requisito prévio da
    concretização de um programa (já agora, reflectido, informado e
    fundamentado) de actuação. Irrita, por isso, ver repetida por Ferro
    Rodrigues, militante do PS, a acusação do governo ser arrogante - embora,
    segundo parece, reconheça que, em substância, não podia deixar de ser feito, o
    que está a ser feito. A irritação resulta da acusação estar a
    ser repetida, glosada, insistentemente, de modo táctico, por muitos, a
    ver se cria um "ambiente", se pega na opinião pública. Se o Governo de
    Sócrates é arrogante, a prova, não está ainda feita, (pelo menos), para mim
    - a decisão sobre a localização do aeroporto de Lisboa, será um bom elemento de
    prova, num ou noutro sentido. Teríamos de discutir o que o conceito
    arrogância significa em termos de prática governativa (ignorar erros, não
    rectificar o que deve ser rectificado...?): o que é determinação para uns,
    é arrogância para outros. Mais sentido tem acusar o Governo, de não
    explicar, de modo adequado, a necessidade do que está a ser feito (MRS fá-lo,
    mas insiste na arrogância) - mas essa pecha (ver o último ponto desta nota) é
    assacável a todos os governos (existe um défice de explicação e discussão política em todas (?) as democracias):
    a ausência de explicação torna-se, isso sim, mais sentida, quando, se
    tenta, de modo efectivo, alterar as coisas.
  • Jorge Sampaio, fez bem em aceitar a sucessão de Durão Barroso, sem o recurso
    a eleições. Com eleições correríamos o risco (considerável, na altura) de ter
    Santana Lopes por muito mais tempo no poder (mesmo com os disparates). A
    legitimidade do seu governo, saído das eleições, retiraria margem de
    manobra à actuação do Presidente. Ferro Rodrigues, não soube
    esperar.
  • Afirmar que o PS, não tem vida própria, é constatação trivial, mais própria
    de político à margem ou, sem possibilidade de ser alternativa - não creio ser o
    caso de Ferro Rodrigues. A falta de vida própria, é algo que pode ser
    imputado, a todos (?) os partidos, em todos (?) os países democráticos. É um
    problema sistémico (muito importante). O que não seria trivial, era partir
    dessa constatação para o diagnóstico das razões porque tal sucede; de como isso
    poderia ser contrariado, e como essa situação se articula com a
    fraca participação política dos cidadãos. Mesmo quando, no discurso, há
    preocupação com a fraca participação dos cidadãos, essa é uma preocupação formal, de cariz ético (de
    ética republicana, entenda-se), e não operacional - os custos
    (consideráveis) em termos de eficácia e de eficiência do funcionamento do
    sistema, e da sua capacidade de responder a novos desafios, daí
    decorrentes, são ignorados.