23 de fevereiro de 2008

Portugal, o governo e a crise

Editorial de Bruno Proença, no Diário Económico, sobre o modo como o Governo está a lidar, em termos de comunicação, com as perpectivas económicas para o país, decorrentes da conjuntura económica internacional: A crise está à porta. Vem no seguimento de críticas, de muitos quadrantes, sobre o pretenso optimismo infundado e mistificador do Governo, neste particular.


O articulista reconhece: "É normal que o optimismo venha de Fernando Teixeira dos Santos – quer evitar uma queda abrupta na confiança de consumidores e empresários. E até tem boas notícias para dar: a economia portuguesa está melhor do que no passado. O défice orçamental desceu, o défice externo está em correcção, o crescimento está próximo de 2% e a economia está a criar emprego." mas precisa: "Mas o optimismo tem limites. A mais deixa de ser credível."



E continua: "O Governo devia ser transparente na sua mensagem. Devia dizer: um, há crise; dois, vai atingir Portugal; três, temos a solução. Qual? O investimento. É a última alternativa. Se o investimento privado e público acelerar para níveis do passado, a economia pode passar pela crise sem danos de maior. É verdade que o crédito está mais caro mas as empresas têm uma situação financeira melhor do que no passado. Só precisam de sentir confiança. E isso vem de um Governo realista."

Não percebo. Um Governo que anuncia a crise, irá induzir o investimento, via credibilidade que ganha? Em que mundo de Deus, isso sucede? Se fosse empresário; se o governo do meu país me anunciasse, com certeza, a crise - se não tivesse a certeza (e, mesmo tendo-a, em muitos casos) seria, totalmente inadmissível, fazê-lo - , eu suspenderia os meus projectos de investimento, agradeceria o aviso, e, quanto muito, votaria no partido do governo, nas próximas eleições em reconhecimento do seu aviso - não que o meu voto valesse alguma coisa (qualquer que fosse cenário internacional, o cenário nacional tenderia a ser pior - o anúncio da crise ajudaria - e, em consequência, o governo perderia as eleições) . E em todo o caso: o Governo tem a certeza que vai haver crise? Os sinais são maus, mas, mesmo assim, existe grande incerteza sobre o que vai suceder, como vai suceder e em quanto vai suceder - a gestão das expectativas é um assunto muito perigoso e as profecias em economia, quando credíveis (e.g., vindas dos governos), tendem a auto-cumprirem-se.

Não vi o Governo enfatizar que não irá haver crise; o que tem dito, é que o país está melhor, mais resiliente - subentende-se (quando isso não é dito da forma mais clara) que estamos melhor preparados, aconteça o que acontecer. E é verdade. A dúvida que fica é se aquilo que se ganhou, nestes últimos três anos, é suficiente para superar aquilo que suceder, se o cenário pior se confirmar - ora, essa dúvida nunca poderá ser assumida, publicamente, pelo Governo.

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