27 de março de 2008

Educação em Portugal (XI)





Tenho de falar da questão da disciplina nas escolas.












Numa nota anterior dizia o seguinte (ver aqui): "... É uma situação extrema [falava do caso onde a um miúdo foi dada a escolher a opção entre ter uma bicicleta ou ir à escola], dir-me-ão, mas que se insere numa distribuição (atípica em termos europeus e da OCDE) de atitudes sobre a educação, por parte da população portuguesa, menos valorativa do interesse e das potencialidades daquela, e da intensidade e rigor com que deve ser prosseguida por todos - essa distribuição menos favorável tem diversos e diversificados afloramentos ..." Poderia ter referido que um desses afloramentos é modo como as famílias encaram o modo como os filhos se devem comportar na escola.














Como dizia nessa nota, era necessário trabalhar a percepção das famílias sobre a importância da instrução e da educação ( uma percepção menos correcta tem também reflexos no comportamento disciplinar dos filhos) - a responsabilidade disso impende, em primeiro lugar, sobre a estrutura política do país: governo, deputados, partidos, municípios; e deve ser coadjuvada por todos que duma ou doutra forma podem intervir no processo, numa ou noutra situação: associações, igrejas, polícias, etc.. Como consegui-lo, como concretizá-lo, isso, é um problema eminentemente político.








Manuel Vilaverde Cabral ao comentar a situação de conflito entre o Ministério da Educação e os professores referia que o País tem vindo a pedir demasiado à Escola. Isto tem muito de verdade. À Escola pede-se que além de uma transmissão eficaz de conhecimentos e de competências, supra as deficiências de formação dos alunos em diversos domínios: de valores, de comportamento, de actuação cívica, usualmente decorrentes da incapacidade das famílias, do sistema político e da sociedade, em fazê-lo de modo adequado. O certo, no entanto, é que todo esse leque de formações tem de ser adquirido, se quisermos ter futuro, e nessa tarefa a Escola não tem, nem pode ter, escolha – ela é o instrumento mais importante que o País dispõe para conseguirmos ter os cidadãos que precisamos de ter. Não pode é desempenhá-la sózinha, embora, não possa ser esquecido, que aquilo que pode (e deve) fazer, tem de o fazer melhor.








Eu não tenho dúvidas que o acontecido na Escola do Porto - e em todas as outras situações que vieram a lume - são ocorrências raras no sistema público da educação. Importaria no entanto isso estar quantificado e bem quantificado. Uma dos traços caracterizadores do sistema público de educação em Portugal - aliás, característica compartilhada com os outros subsistemas do Estado - é que não se mede, não se quantifica, não se estuda, não se compara, não se questiona, não se problematiza, como sucede lá fora (se o faz, isso não transparece); por exemplo, a divulgação dos resultados dos exames foi positiva apesar de algumas análises idiotas a que deu lugar - o caminho, a seguir, é produzir ainda mais estatísticas que completem essa informação, que a qualifiquem, que a potenciem. A informação, em qualidade e em quantidade, quantificada, é requesito da gestão eficaz das organizações e dos sistemas, e da transparência, sem a qual a democracia é um simulacro.








Mas se a incidência dos problemas de indisciplina não é significativa de um ponto de vista quantitativo, é significativo o modo como o sistema educativo e todo o seu contexto os tratam - o tratamento das situações atípicas testa a qualidade e a eficácia das organizações. E aqui, prova-se, é demonstrado mais uma vez, que as coisas não estão bem em Portugal. A Escola não pode deixar isolados, desprotegidos, os seus professores nas salas de aula problemáticas; tem de deixar claro (e porquê) o que é inadmissível - problema na sala de aula com o professor X obriga a uma resposta da escola no seu conjunto; por seu lado, o exterior não pode deixar a Escola sózinha, desprotegida, no tratamento destes problemas. E isso é particularmente verdade, nos casos extremos, nas zonas onde há os problemas. Tarefa elementar é a delimitação dos problemas sérios, das escolas problemáticas; aí conjugar esforços na concretização de estratégias e procedimentos; e mobilizar os recursos e instrumentos necessários. Nos restantes casos, dotar o sistema dos instrumentos e responsabilizá-lo, analisando as ocorrências onde há falhas de actuação - a Escola deverá ser capaz de os resolver e de os resolver bem.








A Escola e a sua envolvente têm tido um comportamento pró-activo em tudo isto? Não tenho dúvidas que não. Os instrumentos são os adequados? A organização do sistema de educação português é a melhor? Não tenho dúvidas que não. Aquilo que se perfila no horizonte em termos de medidas e de alterações será o suficiente? Aí tenho sérias dúvidas. Tenho respeito por este Governo e por esta Ministra por tentarem introduzir níveis superiores de exigência no sistema educativo português. Tenho dúvidas, no entanto, da bondade de algumas das soluções, por exemplo, as plasmadas no estatuto do aluno e para a descentralização. Quando ouço um deputado do CDS elencar os problemas com o novo estatuto do aluno (e soam-me como correctas), fico preocupado mas fico a aguardar o esclarecimento da Ministra (que me desculpem a parcialidade); mas se Daniel Sampaio diz que o dito documento não é bom, aí, fico mesmo muito preocupado.

Naturalmente, sou a favor de mais avaliação - quer dos professores, quer das escolas, quer das soluções, quer dos procedimentos, quer de tudo. E, a-propósito, contrariamente, a um comentário ignorante de um intelectual (de relevo) da praça, a componente de auto-avaliação funciona mesmo e tem funcionado em contextos muito diversos - a maioria esmagadora das pessoas é mais honesta do que ele pensa.

Quantos aos professores gostava de os ver assumir e denunciar os problemas da educação, publica e autónomamente, quer os internos às escolas, quer os externos às escolas. O prestígio conquista-se, independentemente, da clara responsabilidade do sistema em alterar o modo como Portugal vê os seus professores. O protagonismo da classe, enquanto tal, não deveria ser reconduzido ao estrito protagonismo dos sindicatos.

2 comentários:

maria disse...

Se houvesse uma Ordem dos professores poderia ser mais visível essa crítica dos professores ao sistema educativo?

José Matias disse...

Não sou dos mais entusiastas sobre as Ordens, mas, à falta de outra solução melhor, presumo que sim.