13 de abril de 2008

O "mais ou menos" português ...

Nunca gostei de generalizações (positivas ou negativas) sobre os povos e as nações: os portugueses são assim; os ingleses são assados. Cheiram-me sempre a determinismo genético; ao culto da "raça"; funcionam (quase) sempre de insulto, de atenuante e desculpa; têm sempre um cunho ideológico (no sentido mais amplo do termo) - a representação do que somos versus a representação do que os outros são. Não que não existem diferenças, e diferenças importantes, mas elas resultam de uma história, dos desafios e das oportunidades encontradas, do efeito acumulado, formatador, das sucessivas experiências - tudo isso do domínio do transformável, tudo susceptível de ser alterado, corrigido, potenciado e aproveitado (ainda que, muitas vezes, levando muito tempo - pelo que deveríamos ter começado ontem).
Quando se assume que somos diferentes dos alemães - da pontualidade, da disciplina, da organização, da atenção ao detalhe, dos alemães - e se contrapõe a "nossa maneira de ser", "a nossa capacidade de improvisação", o "mais ou menos" de que se fala abaixo, estamos no campo da idiotice e da desculpa parva. O que se passa é que nos acomodamos, fomos habituados a acomodar-mo-nos - e existem razões históricas para isso - a níveis de exigência (e de suficiência) relativos, inferiores, em todas as facetas da nossa vida pública e privada.
Este artigo de Vitor Bento no DiarioEconomico.com, Mal acabados, é exemplar e diz isso por outras palavras (e o que diz, vale para tudo):
"Uma das marcas estéticas da paisagem do subdesenvolvimento é a falta, ou a manifesta imperfeição, de acabamentos nas obras. Ainda não há muito tempo, pelo interior do nosso país, eram visíveis essas marcas em muitas construções, cujo exterior se ficava pelo tijolo em tosco ou, quando muito, pelo reboco. É um sinal de subdesenvolvimento em todos os sentidos.
Em sentido material, traduzindo a manifesta escassez de recursos e a consequente prioritização do essencial – antes uma casa mal acabada do que casa nenhuma. E em sentido cultural, representando o estádio de postergação dos bens do espírito, quando se não preenchem as necessidades básicas do corpo – antes mais um quarto para os miúdos do que as paredes pintadas.Note-se que esta é uma situação diferente – e, em certo sentido, anterior – ao manifesto mau gosto “novo riquista” de uma súbita afluência material, publicamente testemunhada em ornamentos (ou “projectos”) exuberantemente inapropriados.
Na ausência de factores compensatórios – elites cultas e influentes, por exemplo – aquela marca do subdesenvolvimento tende a entranhar-se como norma cultural, acabando por se constituir num obstáculo ao desenvolvimento, quer cultural, quer económico, das sociedades. Habituadas a atamancar por necessidade primária, as sociedades onde uma tal marca penetrou a própria cultura, permanecem insensíveis à qualidade. E essa atávica insensibilidade, acaba, por sua vez, por se transformar numa resistência ao progresso da produtividade, quando a criação de valor económico passa a depender mais da sofisticação do que se faz do que do esforço com que se faz.
A aceitação do “mais ou menos” como norma, em lugar da busca da excelência, torna-se numa desvantagem competitiva quando a competição se decide pela qualidade.Entre nós estão ainda muito presentes e bem visíveis à nossa volta, as reminiscências desta cultura do “mal acabado” e da aceitação do mais ou menos.
É vê-las, nomeadamente, nas obras de intervenção ou reparação do espaço urbano, seja nos montinhos desleixadamente deixados no final, seja nos pronunciados desnivelamentos dos remendos das estradas, ruas ou passeios, seja nos desalinhamentos dos desenhos das calçadas, etc.Estes desalinhamentos, então, são um testemunho exemplar desta cultura de mediocridade. Muitos dos passeios da capital são ornamentados com os testemunhos decorativos da chamada calçada à portuguesa. No meio dessas calçadas existem tampas de alçapões destinados às tubagens dos telefones, águas, electricidade, etc. Para se integrarem com a decoração do passeio de que fazem parte, foram essas tampas também cobertas de calçada e esta foi alinhada com a decoração envolvente. Pois de cada vez que há uma intervenção técnica que obriga à abertura desses alçapões, só por efeito do acaso, voltará a tampa a ser posicionada de forma a alinhar o seu desenho com o do passeio de que é parte. O resultado é mais um testemunho da marca cultural do subdesenvolvimento, à vista de todos, sobretudo dos estrangeiros que nos visitam.
O esforço necessário para repor o equilíbrio inicial seria praticamente nulo. Só requeria um mero cuidado do olhar e algum brio no que se faz. Mas seria preciso, previamente, que quem faz essas intervenções não fosse culturalmente insensível à qualidade e não lhe bastasse o “mais ou menos”. Enquanto subsistir esta insuficiência cultural, a nossa produtividade terá mais dificuldade do que seria necessário em “dar o salto” que precisa para nos sustentar no patamar de consumo a que nos habituámos. Ao nível das empresas que competem no mercado internacional, essa transformação vai-se conseguindo com um apropriado sistema de incentivos. Mas nas actividades protegidas – que são muitas – uma tal insuficiência perdura mais demoradamente."

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