19 de novembro de 2008

O momento do PSD





  1. Eu recordo-me de ver Manuela Ferreira Leite (MFL), na altura Ministra da Educação, num debate televisivo com dirigentes sindicais, a interpelá-los sobre a dificuldade (impossibilidade) de se acordar num modo de afastar os maus professores do ensino público. Depois, é claro, houve a sua posição sobre a necessidade de manter a avaliação dos professores, e depois houve o que se sabe.

    Teoricamente, a credibilidade de um partido seria fundada na sua actuação, quer no governo, quer na oposição. Não creio que isso seja assumido na prática política - espera-se subir ao poder, objectivamente, na base estrita dos erros e/ou erosão política dos outros (é aquilo que designo como a tese trivial do rotativismo). Essa convicção é, aliás, transformada em "lei", o que desobriga as oposições de um trabalho adequado e desculpa todo o tipo de tacticismos.

    Se a credibilidade de um partido depende da sua actuação na oposição, e se no caso do PSD é relevante para a sua afirmação eleitoral o posicionar-se como partido reformista, aquilo que tem vindo a suceder faria diminuir, de modo significativo, as suas hipóteses de vitória eleitoral em 2009, mesmo que essa vitória fosse tão-somente retirar a maioria absoluta ao PS. No entanto, talvez isso não seja relevante, e a "lei" venha mesmo a confirmar-se no próximo ano, mas, em todo o caso, a actuação do PSD dar-nos-ia sempre indicações de como iria actuar no Governo. E aí as notícias são más.

    O PSD alinhou-se mal, inábil e oportunisticamente, nas questões da educação. Poderia ter-se demarcado do Governo PS sem comprometer o estatuto, que reivindica, de partido reformista. O PSD tornou-se num vulgar "compagnon de route"... A desculpa invocada, da má qualidade do sistema de avaliação proposta, não colhe - toda a gente percebeu que a qualidade do sistema de avaliação é um mero (mas bom) expediente táctico para esterilizar todo o processo que começa com o novo Estatuto da Carreira Docente; nunca irá haver um sistema de avaliação excelente (existem dificuldades objectivas que o não permitem - ver aqui) e logo, nunca haverá um modelo de avaliação aceitável para todos os intervenientes no processo. Por outras palavras, qualquer que fosse, quer a qualidade da condução táctica do processo, quer a adequação, a qualidade, a justeza, de um novo modelo de avaliação proposto por um eventual futuro governo do PSD, ele ir-se-ia deparar com as mesmas dificuldades de concretização - a não ser que o que está em causa, seja o PSD considerar que a educação pública é irreformável, ou que não se justifica a diferenciação dos professores/fim da progressão automática na carreira/avaliação.

    A frase de MFL, se representa a expressão de uma reflexão (como dizia Luís Delgado na SIC) estruturada, é grave: é o reconhecimento (involuntário) da tese que a democracia está impossibilitada de resolver, pelo menos no curto prazo, dado tipo de problemas políticos - e sabe-se até onde essa convicção de impotência pode levar os países e os sistemas políticos, em situações de crise grave. Se a conclusão é a de não se poder reformar contra as corporações, há que reconhecer (como alguém disse na SIC Notícias) que não se consegue reformar em seu favor, pelo que vai dar tudo ao mesmo: em democracia não se pode fazer nada (o que não verdade no caso deste Governo, e no caso da educação: veja-se aqui).






  2. MFL demonstra, a contrario, que o desempenho político tem especificidades e requisitos para além da competência profissional e qualidades pessoais - os mais cínicos poderão questionar-se mesmo, até que ponto, essas características se poderão constituir como "handicaps" para esse desempenho (não os acompanho). Prova-se, agora, que havia boas razões para manter o silêncio - além da muito boa razão de não conhecer os dossiês (que segundo parece não havia no partido, como manda a boa prática dos partidos na oposição - os partidos do Governo também não os têm nas suas sedes: têm-nos na Administração e nos Gabinetes).

    Em todo o caso, um afloramento irritante da assunção do silêncio, por MFL, como instrumento de política - o silêncio pode sê-lo, na mão de gente hábil - é justificar a não apresentação de alternativas de política (e de políticas sectoriais), na base do argumento do Governo poder roubar, copiar, as propostas do seu partido...

    Não querendo ir atrás do Miguel Sousa Tavares na defesa de ser dever de cidadania apresentar tais soluções, mais que não fosse, porque o País precisa delas (já), tudo isto é irritante porque é pressuposto que os cidadãos acreditem haver uma dotação limitada de alternativas e de medidas ao dispor dos políticos; é irritante porque, a aceitar isso, o trabalho político da oposição se reduziria à mera apresentação de medidas alternativas concretas (já que só essas são susceptíveis de serem copiadas) - paradoxalmente, necessitando essas medidas de serem apresentadas como propostas de medidas legislativas, tal não seria possível, de acordo com o António Barreto (falando em defesa desta posição do PSD), na ausência da disponibilidade do aparelho administrativo do Estado. A oposição tem pois, de defender a dotação (fraca) de propostas alternativas que dispõe - não a pode malbarratar; tem de impedir a sua utilização pelo Governo -, mas aquilo que dispõe, noutra versão, não seria apresentável porque faltam os meios de operacionalizar essas propostas. Uma implicação desta tontaria toda é que a derrota nas eleições das oposições é duplamente dramática: primeiro, porque perdem as eleições; segundo, porque perdem o acervo de propostas alternativas que foram (lenta, cuidadosa e laboriosamente) arrecadando, para o Governo que continuará em funções: convenhamos, é desgraça em cima de desgraça.

    A apresentação de alternativas de governação não se limita a medidas concretas (essas sim, para aceitar a bondade do argumento, mais susceptíveis de serem copiadas), mas a tudo o mais, a nível de concepção estratégica e táctica das diferentes políticas sectoriais e do rumo que se pretende dar ao país. O argumento da possibilidade do roubo é uma desculpa excepcionalmente má para eximir a falta de trabalho técnico-político, por parte das oposições, no aprofundamento não só do que fariam se subissem ao poder mas do conhecimento que têm da realidade do país. Querem um exemplo (citado de memória)?: aquando da inauguração da ligação, por auto-estrada, Lagoa-Ribeira Grande, o PGRAA falou pela primeira vez (?) da importância da eficiência energética, nomeadamente no domínio dos transportes; o PSD criticou na base desse reconhecimento vir tarde - de acordo com a crítica, mas o certo é que o PSD (até onde me apercebo) não foi capaz de, a tempo, apontar a falha e de desenvolver uma alternativa estratégica (para o que não necessitava de apresentar os "planos da pólvora", detalhados ou não, susceptíveis de serem copiados).

    A aceitação da "lei" referida acima continua a ter efeitos preversos.

PS (2008.11.21): Esqueci-me de referir um artigo do Correia de Campos que vem a-propósito (ver aqui).











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