9 de janeiro de 2009

Entrevista ao Açoriano Oriental (I)

Ante-ontem fui entrevistado pelo João Alberto Medeiros, do Açoriano Oriental, a-propósito da passagem dos 10 anos da criação da União Económica e Monetária (UEM). Para mim, foi agradável falar, publicamente, de novo, sobre o Euro.



Aquilo que disse, reflecte a minha percepção do assunto como economista e aquilo que tenho vindo a ler sobre o assunto. A minha intervenção no Portugal Direct, há algum tempo atrás, (mas que continua pertinente no que respeita aos factos aí inventariados), incidiu sobre a mesma temática: o modo como a UEM, e o Euro que a integra, se tem comportado face à muito séria conjuntura económica e financeira actual(ver aqui). Por outro lado, já vão em muitas notas as referências neste blogue ao "Euro versus conjuntura" (ver: aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui e haveriam mais a indicar).




Aproveitando o balanço, e de modo a disciplinar as idéias (e a informação), tentaria dar um enquadramento mais fundamentado àquilo que defendi naquela entrevista:








  1. É possível ser uma pequena economia aberta, muito dependente do exterior (comércio, investimento, financiamento); pertencer a um espaço económico como a União Europeia - onde prevalece um regime de livre circulação de bens, pessoas e capitais (e integração dos mercados) - e não estar sujeita à protecção de uma divisa forte, e a um regime de disciplina (relativamente mais apertado) da política orçamental, tal como o que a União Económica e Monetária faculta e obriga?
    A conjuntura responde com um rotundo não!
    Isso por diversos motivos. Os capitais movimentam-se determinados pelos diferenciais de remuneração existentes em diferentes localizações, com essas diferenças a serem originadas em situações e políticas económicas particulares. A pertença a espaços económicos como a União Europeia, ou a Área Económica Europeia facilitam esses movimentos. Esses movimentos facilmente tornam-se destabilizadores para economias naquelas circunstâncias, ou porque acomodam comportamentos orçamentais irresponsáveis (Hungria), ou induzem apostas financeiras arriscadas (Islândia). Mesmo pequenas economias abertas, de comportamento virtuoso, em termos da política orçamental e da sua política monetária própria (Dinamarca), que conseguiram até a convergência nominal e real com as economias líderes europeias, em situações de grande stress financeiro mundial, não conseguem assegurar a credibilidade suficiente face aos mercados para contrariar movimentos cambiais especulativos - aliás, discute-se se países da dimensão do Reino Unido não estarão, também, na mesma situação.
    Portugal, não tendo aderido ao Euro, não teria beneficiado dos ganhos de credibilidade que possibilitaram a convergência do encargo da sua dívida pública para níveis próximos da dívida pública alemã - dando lugar a folga orçamental considerável (os milhões que Cavaco, em tempo, referiu que tinham sido malbaratados - note-se que Cavaco nunca descriminou os items dessa lista ...); Portugal teria vivido com taxas de inflação - de novo a questão da falta da credibilidade - e de juros muito mais altas (todos os que se queixam dos arredondamentos provocados, alegadamente, pelo Euro - isentando o mau funcionamento dos mercados e a falta da concorrência -, teriam pago tudo - dos nabos e das couves na praça, até aos empréstimos hipotecários - muito mais caro); finalmente, sem o pacto de crescimento e convergência, potenciar-se-ia as possibilidades de maiores disparates (e agora com consequências piores) na condução da política económica portuguesa.
    Nesta conjuntura, pode-se afirmar, que em qualquer cenário previsível, estarmos fora da UEM, seria muito mau - ou, se quiserem, estaríamos sempre muito pior, numa situação de crise profunda.
  2. Uma consequência importante de pertencermos à UEM, é ficar arredada a possibilidade de sermos sujeitos a uma crise cambial: depois do 25 de Abril, as crises macroeconómicas em Portugal - desiquilíbrios orçamentais (défices), monetários (inflação) e económicos, traduzindo-se em perdas de competitividade face ao exterior, e logo em dificuldades no financiamento dos défices da Balança de Transacções Correntes (BTC) -, desembocaram sempre em desvalorizações da nossa divisa.
    Com o Euro deixou de haver possibilidade de sermos confrontados com problemas cambiais - embora, o haver défices na BTC, com o a contrapartida do crescimento da dívida externa, tem outro tipo de consequências, mais dilatadas no tempo, mas também de cariz preocupante. Como o diz, Martin Wolf, do Financial Times, deixou de ser possível crises cambiais, mas continuam a ser possíveis crises de crédito.
    Mas, antes de discutir isso, vincar um outro aspecto: o Euro evita as crises cambiais, mas impossibilita a utilização das desvalorizações competitivas, que são, há que admiti-lo, um instrumento de política económica com características muito apelativas: no que diz respeito à recuperação da competitividade externa, é eficaz e é de efeito rápido. Tem contudo contra-indicações: sem o acompanhamento adequado da política económica (evitando que seja necessário o seu recurso recorrente), cria incentivos a que não se atente aos aspectos estruturais daquela competitividade; torna-se viciante, e irá alimentar, a breve prazo, a inflação. Seria óptimo tê-lo à mão para uma situação de real aperto - o Reino Unido está a utilizá-lo neste momento - mas para Portugal, o que se perde em termos de conveniência, pela impossibilidade da sua utilização, ganha-se em termos do acesso a um novo quadro de incentivos para a sua política económica.

(continua)

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