17 de janeiro de 2010

Algo escrito sobre educação para a Convenção da Nova Autonomia, em 1996 (I)

NOTAS SOBRE A ARTICULAÇÃO ENTRE ENSINO, DESENVOLVIMENTO E POLÍTICA NOS AÇORES

1) Articulação " Ensino - Desenvolvimento" nos Açores   

É consensual o afirmar-se o carácter estratégico determinante da educação no desenvolvimento. Tão consensual que a afirmação se trivializa, desculpando o não aprofundamento da análise de tudo aquilo que torna a afirmação verdadeira e empobrecendo a tarefa da descoberta das saídas que permitiriam uma mais eficiente operacionalização daquele papel da educação na luta pelo desenvolvimento. No caso dos Açores, a trivialização daquela afirmação implica que se esbata - ao nível da análise, do discurso e da prática - a especificidade local da articulação educação « desenvolvimento, especificidade que torna relativamente mais importante e imperiosa a obtenção de desempenhos superiores do sistema educativo açoriano.  A problemática económica nos Açores e as perspectivas da sua evolução futura, fazem com que aqui o ensino revista uma importância estratégica ainda  mais decisiva e  importante do que pode assumir e assume no resto do país.  Porquê ?

 Um crescimento económico sustentado nos Açores é condição sine qua non da viabilidade duma sociedade açoriana que perpetue no século XXI uma história e uma cultura velhas de cinco séculos. Na verdade - e admitindo o melhor cenário quanto à não verificação de alterações bruscas e profundas nas condições ambientais e nos parâmetros políticos internacionais, (esses outros cenários só viriam a acentuar a urgência em equacionar de forma eficaz aquela articulação) - um crescimento económico sustentado e endógeno apropriado, é condição necessária para a fixação das populações, ao possibilitar níveis de vidas que suportem a comparação com os níveis alcançados no continente português e no resto da Europa. Assim não sendo, criar-se-ão, no mínimo, só por isso, incentivos muitos fortes à deslocalização das populações açorianas, acentuando fenómenos demográficos já em curso. Contar indefinidamente com a solidariedade nacional e europeia para suplementar uma performance menos adequada da economia açoriana, colmatando o fosso entre taxas de crescimento do rendimento, previsivelmente (se se não inverter algumas tendências), progressivamente divergentes, é atitude acomodada e perigosa. Essa solidariedade, convenhamos, terá  sempre de estar presente,  mas a economia açoriana tem de crescer o suficiente para manter pelo menos constante, em termos relativos, a necessidade do apoio exterior ao rendimento açoriano, no médio e longo prazo.

 E como se pode verificar esse crescimento económico sustentado e endógeno nos Açores que assegure aquele resultado ? Basicamente, pelo influenciar dos factores que possibilitem ganhos de produtividade globais na actividade produtiva açoriana, em todas as suas variantes. Não se podem esperar contributos significativos para o crescimento económico açoriano com origem na evolução demográfica. No que respeita ao investimento,  pela fraqueza do seu efeito despesa - do seu efeito multiplicador no rendimento - e pela reduzida probabilidade de ver aumentado o seu peso relativo na despesa (quer pelo nível consideravelmente elevado já alcançado quer porque por esse aumento dependeria necessariamente do exterior) não se pode esperar que ele, por si só, assegure as taxas de crescimento que se impõem. O crescimento económico dos Açores terá de ser essencialmente do tipo intensivo, logo assente no aprofundamento da eficácia e eficiência na utilização dos recursos humanos e de capital que a região pode mobilizar. O aprofundamento da eficácia e eficiência na utilização dos recursos produtivos apela para o inculcar de valores, da implementação de práticas e a aquisição de saberes que possibilitem o alcançar e a aceitação por parte da população açoriana de níveis superiores de exigência, de profissionalismo, de mobilidade e de desafio. E isso além do mais, porque o crescimento económico nos Açores, devendo ser intensivo, terá de incorporar componentes fortes de experimentação, de abertura ao exterior (às influências económicas, culturais, tecnológicas), de diversificação, de upgrading das actividades produtivas já instaladas. O padrão de crescimento que se verificou na primeira fase da autonomia caracterizou-se por assentar quase exclusivamente no aumento da despesa e investimento público, viabilizados pela drenagem de recursos avultados do exterior, não sendo acompanhado, nomeadamente, pelo reconhecimento, por parte do poder político, da necessidade de acordar e de dinamizar a sociedade para um papel mais activo e autónomo nas tarefas, em todas as tarefas, do desenvolvimento. Não reconhecimento, falta de vontade ou incapacidade política em fazê-lo: o certo é que tudo isso, nitidamente, teve por contraponto a convicção de que era possível ascender a níveis progressivamente superiores de rendimento sem grandes alterações, sem grandes exigências, sem grandes reequacionamentos. O pecado mortal da velha autonomia foi a complacência1. O modelo seguido até aqui está esgotado!

Ao sistema de ensino caberá grande parte da tarefa da criação dos factores que possibilitem os ganhos de produtividade acima referidos. Essa tarefa é à partida extremamente dificultada pela percepção extremamente pobre e redutora que a esmagadora parte da população açoriana tem do ensino e do saber, o que se traduz quer numa procura pouco exigente do serviço prestado pelo sistema de ensino quer na hostilidade ao aumento da qualidade da oferta desse serviço, se esse aumento de qualidade passar, como deve passar em grande parte, por um acréscimo de exigência. Essa tarefa é dificultada pelo nível insuficiente de recursos que são canalizados para o sistema de ensino. Essa tarefa foi,  e está a ser, dificultada pela incapacidade do partido, até ao momento no poder nos Açores, de pensar estrategicamente os Açores, de pensar estrategicamente o desenvolvimento nos Açores e, logo, de pensar estrategicamente o ensino nos Açores, remetendo-se para uma gestão imediatista, burocrática, nada imaginativa, nada criativa, do sistema de ensino, e restringida ao mero dispêndio das verbas orçamentadas.
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[1]A guerra fria iria continuar ad aeternum; não necessitávamos de promover o turismo; não necessitávamos de nos preocupar com as questões ecológicas; os fundos da União nunca deixarão de vir (nunca?); tudo viria por acréscimo, sem grandes exigências e sem grandes ambições, etc.; no fundo, a internalização cultural da ultraperificidade.
 

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