Desde há algum tempo a estratégia energética seguida pelos governos Sócrates tem sido sujeita a críticas incidindo sobre o seu custo relativo face a outras alternativas - a necessidade de subsidiação do arranque das renováveis traduz-se no encarecimento da energia quer para as famílias, quer para as empresas; a ênfase nas renováveis, particularmente, da energia eólica, pelas características da produção desta, leva a resultados ineficientes do ponto de vista económico e tecnológico, etc., etc. Muitas destas críticas são articuladas por quem considera a opção nuclear como algo, no mínimo, a exigir discussão em Portugal, na perspetiva da construção de uma, ou duas centrais nucleares, no nosso país. Eu fui acumulando informação sobre a polémica, mas nunca a estudei, e logo não estou em condições de emitir um juízo sobre ela - podem ler o que diz o blogue A ciência é neutra a esse respeito.
O meu partis pris nessa questão foi sempre o de que se deve apostar em primeiro lugar, e de modo enfático, na eficiência energética; em segundo lugar, nas renováveis, com respeito, sempre, pelas restrições económicas e financeiras aplicáveis em cada caso. Entendia e entendo, por um lado, que o necessário encarecimento do preço de energia decorrente da aposta nas renováveis se poderia justificar como prémio de seguro contra os riscos (desde sempre previsíveis e inevitáveis) do aumento do preço do petróleo e da extrema dependência do País do fornecimento dos combustíveis fósseis; por outro, entendia que esse sobre-custo seria um custo admissível pelo fato do País ser um dos primeiros a encetar, de modo tão extensivo, uma estratégia desse tipo. Como pano de fundo haveria ainda tudo aquilo que diz respeito à emissão de gases de estufa. No entanto, encarei aquela polémica como podendo carrear elementos sérios para qualificar a tempestividade da aposta, quer a dimensão efetiva dos custos - uma estratégia adequada pode transformar-se num desastre se for mal operacionalizada, e acontece estarmos em Portugal. O tempo dirá do mérito da aposta de Sócrates, e espero que o considere significativo.
Quanto à nuclear nunca a considerei uma aposta correta para Portugal: por razões de articulação entre a pequenez territorial e níveis de sismicidade do país e as questões de segurança (das centrais e do armazenamento dos detritos nucleares), mas, também, dos custos económicos da construção e exploração das centrais: a energia nuclear é uma energia cara quando se considera, de modo efetivo, o nível de subsidiação elevado da sua investigação, desenvolvimento e exploração.
No entanto, a nível mundial, a questão não é tão clara como isso. A energia nuclear é limpa no que respeita à emissão de gases de estufa, e a produção de energia a partir do carvão não o é, e face à situação dramática com que somos confrontados quanto às alterações climáticas, a nuclear teria de continuar a ser uma das opções a considerar, sujeita contudo a requisitos exigentes (veja-se abaixo a opinião de George Monbiot) (*). E aqui importa fazer um reparo: os defensores da nuclear tendem a frisar os custos relativos de produção das energias renováveis. Sem mais qualificações, isso é desonestidade intelectual, não só pelo que se disse acima sobre os custos e subsidiação da nuclear, como ignora que o esforço de investimento na investigação e desenvolvimento das renováveis não tem, nem de perto nem de longe, qualquer comparação com o que se fez, e se faz, em relação à nuclear, e existem fortes indícios que o investimento na sua investigação e desenvolvimento, numa escala superior à verificada até agora, teria uma produtividade sem comparação com a verificada na nuclear.
Mesmo face ao está a suceder no Japão (e neste momento, dá para desconfiar que ninguém sabe bem o que irá suceder) a opção nuclear manter-se-á em alguns/muitos países, onde as alternativas são más, embora, e apesar, de uma opinião pública hostil . O certo é que todo o processo de produção de energia nuclear não atingiu ainda a maturidade e a segurança alcançado por outras tecnologias exigentes e complexas como, por exemplo, a do transporte aéreo de passageiros. Não estou em condições de saber se o desenvolvimento, devidamente investigado e apoiado, das renováveis seria suficiente para prescindir dela, mas a continuar como opção terá que melhorar muito, e de modo a convencer a opinião pública mundial. E era bom que assim fosse, não só como condição de a manter como opção de recurso, mas, principalmente, porque a exploração do sistema solar não será rápida, eficiente e segura sem a sua utilização.
(*) En passant: não deixa de ser irónico que o argumento mais forte em favor da nuclear reside em algo - as alterações climáticas decorrentes da emissão humana de gases de estufa, - negado ou desvalorizado por muito dos seus proponentes (por motivos ideológicos e/ou políticos e/ou profissionais).
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No que segue, um conjunto de referências sobre a produção de energia, o que está a acontecer no Japão e sobre as suas consequências. As referências estão arrumadas das mais recentes para as mais antigas.
Sobre a situação hoje no Japão:
Status of Japanese reactors, spent fuel ponds, and possible outcomes « Climate Progress: What comes next? The Oil Drum’s guess is as good as any: At this point, it is necessary to lurch towards pure conjecture. Day by day, the status at Fukushima has worsened and until the situation is stabilized, it is impossible to predict the final outcome.
Sobre a comunicação social e o pior que pode acontecer:
Why Oh Why Can't We Have a Better Press Corps? - Brad DeLong's Grasping Reality with All Ten Tentacles: "Citação de Clive Crook, The fog of nuclear emergency From the start of this calamity I have wanted to know, 'What is the worst that can happen at these nuclear sites? Suppose everything that could go wrong does go wrong: what then?' [....] My father... was a mechanical engineer in the British nuclear power industry.... I vividly recall his telling me decades ago that the thing that concerned him most about nuclear power was not the reactors but the storage of spent fuel.... The conversation passed through my mind as soon as the first reports of problems at Fukushima appeared. Where do they put the spent fuel?Today the New York Times tells us where: on 'the top level of the reactor buildings'. The piece worsens the worst-case scenario yet again, saying that this fuel may pose a bigger risk at Fukushima than the reactors themselves (reactors, plural, of course: the small-footprint approach bunches many of them together). Elsewhere one reads that hundreds of workers have already been evacuated from the site and only 50 remain, scrambling to stabilize six reactors, and to keep the storage pools replenished. What happens if and when those last workers are pulled out? The Times cites, without further comment or context, a 1997 study by the Brookhaven National Laboratory:
A opção nuclear como opção de recurso, e em desespero de causa, ou o carvão é também mau:
Japan nuclear crisis should not carry weight in atomic energy debate | George Monbiot | Environment | guardian.co.uk: "The nuclear disaster unfolding in Japan is bad enough; the nuclear disaster unfolding in China could be even worse. 'What disaster?', you may ask. The decision taken today by the Chinese government to suspend approval of new atomic power plants. If this suspension were to become permanent, the power those plants would have produced is likely to be replaced by burning coal. While nuclear causes calamities when it goes wrong, coal causes calamities when it goes right, and coal goes right a lot more often than nuclear goes wrong. The only safe coal-fired plant is one which has broken down past the point of repair.Before I go any further, and I'm misinterpreted for the thousandth time, let me spell out once again what my position is. I have not gone nuclear. But, as long as the following four conditions are met, I will no longer oppose atomic energy.1. Its total emissions – from mine to dump – are taken into account, and demonstrate that it is a genuinely low-carbon option.2. We know exactly how and where the waste is to be buried. 3. We know how much this will cost and who will pay. 4. There is a legal guarantee that no civil nuclear materials will be diverted for military purposes.The True Cost of Coal Power: "Unfortunately, coal combustion is a major contributor to global greenhouse gas emissions as well, accounting for 30% of total anthropogenic carbon dioxide (CO2) emissions worldwide, and 72% of CO2 emissions from global power generation. In addition, non-power generation uses increase its contribution to global human CO2 emissions to a whopping 41% (as of 2005).
Uma visão, relativamente optimista, quanto às consequências económicas do desastre japonês:
Meltdown Macroeconomics - NYTimes.com: Life and business go on; so I guess we have to talk about the economic impact of the Fukushima nightmare. One set of impacts involves disruption of supply chains: Japanese chips and other components are an important part of world manufacturing — you really need to think of China, Korea, Japan and so on as being part of an East Asian manufacturing complex –and it’s not clear yet just how much damage will be done.But what I’m hearing a lot is worries about financial impacts. Japan will clearly have to spend hundreds of billions (dollars, not yen) on damage control and recovery, even as revenue falls thanks to the direct economic impact. So Japan will become less of a capital exporter, maybe even a capital importer, for a while. And this, so the story goes, will lead to soaring interest rates.
Hum!? Era bom que assim acontecesse, mas, vejam abaixo o que continua a acontecer nos EUA:
The Oil Drum | Safety of nuclear power and death of the nuclear renaissance: "Yesterday I believe will go down in history as one of the most significant for mankind. Whilst most citizens of the developed and developing world do not realise this yet, the future course of the human global energy system has just changed course with potentially far reaching consequences for human civilisation.
Right-Wing Media Push For Removal Of "Obstacles" To Nuclear Power In Wake Of Japan's Nuclear Crisis | Media Matters for America:In the wake of the crisis at Japanese nuclear reactors, the conservative media have pushed for the removal of "obstacles" to nuclear power and a faster nuclear permit process for nuclear plants. Nuclear energy experts, meanwhile, agree that Japan's nuclear crisis is cause to reevaluate whether nuclear regulations contain sufficient protections for public safety.WSJ Laments That "Nuclear Plants Have Had Their Costs Increased By Artificial Political Obstacles And Delay.
Third explosion reported, 3 cooling systems failing, 3 meltdowns can’t be ruled out, 1 spent fuel pool boiled over « Climate Progress: Germany, Switzerland suspend nuclear plans as U.S. right-wing [In the reality-free zone of the U.S. conservative media] calls for faster nuclear permit process!
E, no entretanto, a China percebe o que outros não percebem, mas debate-se com o tamanho da sua população:
China Is Said to Plan Strict Goals to Save Energy - NYTimes.com:
"With oil prices at their highest level in more than two years because of unrest in North Africa and the Middle East, the Chinese government plans to announce strict five-year goals for energy conservation in the next two weeks, China energy specialists said Friday.Bejing’s emphasis on saving energy reflects concerns about national security and the effects of high fuel costs on inflation, China’s export competitiveness and the country’s pollution problems.Any energy policy moves by Beijing hold global implications, given that China is the world’s biggest consumer of energy and largest emitter of greenhouse gases. And even the new efficiency goals assume that China’s overall energy consumption will grow, to meet the needs of the nation’s 1.3 billion people and its rapidly expanding economy.
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