Não compro o Expresso de modo regular. Hoje, tive sorte com o conteúdo. Vejam estas notas de leitura:
Fernando Madrinha, sobre a entrevista de Sócrates, diz, a dado passo, a-propósito da pretensa deriva tecnocrática de Sócrates: “Mais ou menos o mesmo que certa “inteligência” dizia de Cavaco nos anos 90. Pois a desgraça da direita e a frustração da velha esquerda em relação a Sócrates resultam precisamente desse equívoco antigo e irresolúvel: esperavam uma espécie de Guterres e saiu-lhes, com as suas diferenças e sem ofensa para qualquer deles, uma espécie de Cavaco. Por isso lhes custa, como lhes custava com Cavaco, compreender porque é que, apesar de tantos defeitos, de tanta contestação e de tantas dificuldades, o primeiro-ministro manter ainda os índices de popularidade que mantém”. De acordo. Nunca votei em Cavaco; critiquei-o (calculem) por não fazer as reformas que o país precisava; ao Guterres dei-lhe o meu apoio, durante a primeira parte do seu primeiro mandato, porque não tinha maioria absoluta; nunca duvidei que Sócrates não seria uma “espécie” de Guterres.
Miguel Monjardino tem um artigo interessante sobre União Europeia. Afirma que além da ratificação do Tratado de Lisboa, a outra grande prioridade (assumida) da União é a de alcandorar-se a um papel de liderança internacional na gestão dos problemas de energia e alterações climáticas; que a União mantém claras ambições geopolíticas, apesar dos seus desaires de protagonismo na década de 90; que a Administração Bush serviu à União no sentido de enfatizar a necessidade dela assumir esse protagonismo; que a decisão tomada sobre o Kosovo vai nesse sentido (bater o pé à Rússia e ganhar espaço de manobra face à futura administração norte-americana); que essa trajectória de afirmação internacional, é conduzida de forma furtiva e é ignorada pela opinião pública europeia. Isto cruza com aquilo que Parag Khanna disse no New York Times sobre a futura dimensão da importância geo – estratégica da União Europeia (ver aqui). Quanto ao carácter furtivo desse trabalho de afirmação, não deixa também, no fundo, de reflectir uma característica transversal de todo o processo de construção europeia: a incapacidade e desleixo políticos em conquistar as populações para a necessidade dessa construção e do âmbito que ela deve ter.
No caderno de Economia, há uma entrevista a Luís Fábrica, responsável pela comissão de reforma da Administração Pública, que me deixa preocupado e é de manter como referência para a apreciação futura da eficácia dessa reforma. Em particular, o que diz sobre a qualidade do texto da lei, é grave: mal feito, indiciando insuficiente técnica legislativa – a qualidade da produção legislativa é assunto muito sério que deveria estar na primeira linha de preocupações de toda a gente, mas não está (veja-se o modo como toda a discussão – inqualificável - da actuação da ASAE é enviesada porque ignora totalmente a questão determinante da qualidade da produção legislativa).
A-propósito da qualidade da produção legislativa fala, também, Saldanha Sanches, em A paralisia do poder. O que diz é que em Portugal, “o fim constitucional é que o poder paralise o poder”; “… ou fazer seja lá o que for, emperra em uma fila interminável de estruturas paralisadas e paralisantes que remetem a decisão de umas para as outras”; dá exemplos; fala das providências cautelares e da “inacreditável emaranhada teia de leis sobre o urbanismo”; tem palavras duras para os advogados, que são também deputados, na sua produção legislativa, e conclui com: “A proibição absoluta de mudar seja o que for é primeiro princípio do ordenamento jurídico português”.
Para concluir, uma referência, a um pequeno artigo, de Miguel Gouveia, da FCEE/UC, sobre a relação “entre o volume de actividade de uma unidade de saúde e a qualidade dos resultados”. Diz que a investigação é clara – pesquisar no Google “health care volume outcome effect”: unidades com pequenos volumes de cuidados (em qualquer área) “têm os piores resultados em termos de taxas de mortalidade ajustadas pelo risco, durações de internamento ou probabilidades de complicações e reinternamento”. Pergunta ao fim: quem será responsável, se o processo de racionalização e concentração dos cuidados de saúde for atrasado ou acabar, pelas mortes desnecessárias que ocorrerem no entretanto. Boa pergunta.
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