6 de março de 2008

Ciência, Política e Religião, nos EUA

Não existe nenhum país do mundo, à excepção de alguns países muçulmanos, em que o papel da ciência, e as suas recomendações, sejam tão controvertidas, como sucede no caso dos EUA. A razão avançada para isso, usualmente, é a do peso significativo da direita evangélica na opinião pública norte-americana, e a sua influência no Partido Republicano. O facto mais evidente desse estado de coisas é a polémica (muito dura, persistente, disseminada em todo o território, e relevante, do ponto de vista político e religioso) sobre a legitimidade do ensino nas escolas, do criacionismo – visão da história do mundo assente numa leitura literal da Bíblia – ou, duma sua versão mais soft, com pretensões científicas, da denominada “teoria” do desígnio inteligente. No mesmo sentido, irá o não financiamento federal da investigação das células estaminais, etc. Se é verdade, nesses casos, ser a relação de causa e efeito entre religião, política e ciência, evidente, e suficiente para explicar a posição da direita norte-americana, noutros, como acontece quanto ao aquecimento global, a relação não existe, ou é indirecta, ou resulta de solidariedade de grupo ideológico.


Não, que não faltem explicações para a relutância da parte do Partido Republicano em aceitar a evidência científica do aquecimento global, a necessidade da promoção da eficiência energética e das energias alternativas, etc. – e.g., a sua captura pelos interesses dos sectores de produção energética baseados nos combustíveis fósseis, ou o financiamento por estes, dos denominados denegacionistas (“denialists”) e logo, do seu trabalho de convencimento político. Essas explicações são correctas – a questão que se coloca, é a de saber se explicam tudo, e, na eventualidade de tal não suceder, se o que fica de fora é importante.


Duas peças de informação, de que dou notícia nesta nota, apontam que existe alguma coisa que fica de fora e é importante. É importante porque identifica razões determinantes da actuação de um grupo, estratégica e negativamente, muito importante neste debate – e “é imprescindível conhecer os nossos inimigos…”.


Uma primeira é uma exposição (em vídeo, em inglês) da evolução da percepção científica do fenómeno do aquecimento global; das respostas políticas ao problema; da história das reacções negativas a essa evidência; das suas estratégias de descredibilização (usadas também pela indústria do tabaco na sua luta contra a legislação anti-tabaco); e das motivações ideológicas dos “denialists” – é uma exposição longa (cerca de uma hora) pelo que poderá ser feita por troços (suspende-se o vídeo e toma-se nota do tempo que passou). Vejam no blogue Stranger Fruit, "The American denial of global warming". Se consideram que a evidência científica sobre o aquecimento global ainda é controvertida (de um ponto de vista científico!) – essa é “the conventional wisdom” de muitas, e boas pessoas, (algumas delas minhas amigas) – vejam o vídeo para, no mínimo, perceberem porque é que pensam assim.


A segunda é uma nota do blogue Pure Pedantry, Why Republicans Reject Science, onde se expõe de modo exemplar, lúcido e exaustivo a problemática do desamor da direita norte-americana pela ciência. O que aqui é dito valida a tese de Naomi Oreskes, no que respeita às motivações ideológicas dos “denialists”, apresentada no vídeo acima referido.
PS: Sobre esta temática ver aqui uma nota do Gristmill.

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