João Almeida Santos, no Diário Económico, em Uma democracia orgânica? discute o conceito de "consociativismo" - nascido da realidade política italiana - e a sua aplicação a dadas situações que se verificam no caso português. O artigo tem manifesta actualidade e dá para reflectir (o bold é meu) :
"Na língua italiana há uma palavra que exprime muito bem uma certa disfunção do sistema democrático representativo: “consociativismo”. Esta palavra aplica-se à repartição do poder, à ausência de alternância, à composição orgânica do poder... Cada um exercendo poderes de tipo diferente, mas organicamente integrados.
Ora, a palavra “consociativismo” pode ajudar-nos a compreender melhor aquilo que considero ser uma disfunção congénita da nossa democracia, ao ponto de a tornar mais democracia social do que democracia representativa, mais orgânica do que representativa... A nossa disfunção verifica-se, no essencial, não no interior do sistema político central, mas sim nas relações entre a sociedade civil e o poder político...
O exemplo mais evidente desta tendência “consociativa” do nosso sistema é a forma do governo autárquico, com as oposições a integrarem os executivos camarários e os executivos das freguesias a integrarem a assembleia deliberativa municipal. Mas tão evidente como isto são as prerrogativas de codecisão reivindicadas pela generalidade das organizações profissionais e até pelo terceiro poder, o poder judicial.
É evidente que o poder judicial tem vindo a dar a ideia de que se considera ele próprio colegislador, sobretudo quando se trata de matérias que lhe dizem mais directamente respeito. Por outro lado, as organizações profissionais e empresariais (ordens, sindicatos, associações) têm vindo crescentemente a evoluir do direito de participação no processo de instrução da decisão política para o direito de participação na própria decisão, ferindo, com isto, gravemente um dos princípios estruturantes da democracia. Com efeito, a decisão política exprime-se como decisão com efeitos universais, é geral e abstracta. E, como é evidente, ela deve traduzir o interesse geral. Esta decisão não pode, pois, resultar da justaposição de decisões sectoriais correspondente ao somatório dos interesses parcelares das diversas organizações da “sociedade civil”, que o poder político registaria como se de um notário se tratasse....
Ora, não é esse, apesar de tudo, o nosso modelo constitucional nem a nossa visão dominante do sistema político. E todavia até parece ser essa a prática generalizada e dominante dos nossos actores sociais. De resto, as condições para que esta prática se desenvolva e consolide até existem, sob a forma de “megafone mediático”. Com efeito, nunca como hoje as corporações tiveram instrumentos tão poderosos – os ‘media’ - para afirmarem os seus interesses no espaço público, conferindo-lhes, assim, uma aura de interesse geral. Os ‘media’ podem ser, de facto, os indutores decisivos de uma democracia orgânica de novo tipo. ...."
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