Vitor Bento comenta no Diário Económico, em O documento da Sedes, as reacções a este documento. Ainda não o li, mas a tipologia ("tiques") que apresenta das reacções, merece ser notada (o bold é meu):
"Dessas reacções notei três tiques, muito comuns, redutores de qualquer discussão séria.
"Dessas reacções notei três tiques, muito comuns, redutores de qualquer discussão séria.
Primeiro e como é frequente, muitos comentadores tocaram de ouvido, sem ler a partitura. Os comentários que se foram construindo ao longo da manhã, denotavam claramente que os seus autores não tinham lido o documento, mas comentavam o relato que dele foi sendo feito, reconstruindo-o. No final do dia, o que ia ficando no ouvido era diferente, pelo menos na intencionalidade, da versão que fora escrita. Embora nos dias seguintes comentadores mais avisados tenham tentado recentrar a discussão na versão original, ainda hoje se ouvem comentários de quem assumidamente não leu o documento.
Segundo, o poder – qualquer que seja – tende a pensar o mundo como girando à sua volta, caindo facilmente no maniqueísmo do “quem não é por mim...”. Não se dá conta de que há mais mundo e mais tempo para além dos seus. Ao cair no vício maniqueísta, acaba a dar gratuitamente o peito às balas (que não lhe são dirigidas), com consequências indesejáveis, para si e para a discussão. Polariza em si e no seu tempo, uma responsabilidade que é múltipla nos agentes e longa na duração. E, disfarçando a responsabilidade dos outros, permite-lhes cavalgar, contra si, uma onda que partirá sem direcção. Assim, em lugar de discussão de ideias, acaba-se a catalogar pessoas e a alimentar barricadas de prós e contras.
Terceiro, há muita gente para quem a vida pública não é mais do que a disputa de senhas para a mesa do Orçamento. Não conseguindo compreender que possa haver quem esteja simplesmente interessado em discutir ideias, e não as tendo para discutir, tende a ver qualquer proposta de discussão como uma ameaça ao seu lugar na fila das senhas. Daí que se concentrem apenas na destruição dos proponentes, matando qualquer possibilidade de debate.Falta, no espaço público, a serenidade para discutir racionalmente ideias e a capacidade de erguer o olhar para além da circunstância e pensar estrategicamente, a longo prazo. Talvez por isso este mal-estar difuso e esta sensação claustrofóbica onde muitos se sentem enredados."
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