19 de maio de 2008

Considerações sobre o Euro

Hoje, o Açoriano Oriental, traz uma página sobre o Euro com uma entrevista com o Prof. Cabral Vieira sobre o assunto - a este propósito alguns comentários:











  1. Em termos contrafactuais, em relação à pertença de Portugal à UEM, pode-se examinar alguns cenários alternativos àquele em que vivemos - isso permitirá enfocar melhor as especificidades da nossa situação macro económica actual. Quais são os cenários? Um: o que sucederia, se no contexto actual, fossemos obrigados a deixar o Euro (qualquer que fosse o motivo - e.g., colapso da UEM: sobre essa possibilidade ver aqui) ? Dois: o que estaria a suceder neste momento, se não tivessemos aderido ao Euro?







    O primeiro cenário é excessivamente tétrico. Com a dimensão actual do desiquilíbrio das contas com o exterior e da dívida externa; com a perda de credibilidade cambial que a saída implicaria - o ajustamento necessário seria dramático implicando, de modo necessário, a escolha entre diferentes combinações de níveis de recessão económica versus níveis elevados de taxas de juro/taxas de inflação; a possibilidade de uma política económica suficientemente "virtuosa", obviando a essas consequências, em Portugal, é académica.

    Acresce todos os custos associados à saída da moeda (não são simétricos aos custos de entrada: há quem considere esse ser o principal obstáculo - ver aqui uma discussão à volta destas questões).

    Um excerto da primeira ligação referenciada acima: "... the euro is certainly different: all members of today’s euro area are part of one tightly integrated market for goods and capital (and increasingly also for labour and services), with the monetary union merely part of a multidimensional economic network. Leaving the euro to help competitiveness would not be a very promising strategy because of the large negative side effects, as argued in Eichengreen (2007). Among other things, an exit would imply political costs, such as possible exclusion from other EU-related decisions."







    O segundo cenário é mais interessante: se tivessemos permanecido fora do Euro - admitindo o melhor cenário da prossecução de uma política económica adequada (dúvida relevante: recordar aqui o que se passava na década de 80, não esquecendo todos os ganhos associados ao próprio processo de preparação macroeconómica à adesão ao Euro) -, o que teria sucedido ao longo destes últimos anos?

    Possivelmente teríamos tido (sempre com maior instabilidade macroeconómica): uma inflação maior (ainda que abaixo dos dois dígitos) e juros mais elevados; a nossa competitividade externa não se teria deteriorado tanto (ver aqui); o nosso desiquilíbrio com exterior seria menor; um endividamento das famílias menor - menos pessoas teriam comprado casa e o imobiliário teria preços mais baixos; e, por demais, face à actual conjuntura estaríamos num sarilho considerável: quer em relação ao aumento dos preços dos combustíveis e dos cereais (=> desiquilíbrio das contas com o exterior), quer em relação à gestão da conjuntura: Portugal já iria na terceira ou quarta desvalorização, segundo Wolfgang Munchau, editor associado do Financial Times (ver de novo aqui), com o caldo intornado em termos de tudo o resto: desvalorização => + inflação => + taxas de juro (as famílias endividadas confrontar-se-iam com uma situação negativa sem comparação com a que vivemos).

    Este cenário contrafactual teria sido desde o final da década de 90 (admitindo a bondade da política económica, no entretanto seguida) menos bom do que o cenário vivido, assumindo aspectos bem negros, na actual conjuntura, e em tudo aquilo que se irá seguir.

  2. O Prof. Cabral Vieira diz que as pessoas não sabem lidar com os juros. O que ele quer dizer é que as pessoas desabituadas de ter taxas de juro baixas, ao tê-las, e durante alguns anos, aumentaram de forma irrazoável (?) o stock da dívida.

    O certo é que as taxas de juro actuais continuam a ser baixas, quando comparadas com níveis verificados durante a década de 80 (e com os que ocorreriam nos cenários alternativos). O certo também é que os avisos (por exemplo, do Banco de Portugal) nos últimos anos, sobre o perigo do endividamento, têm vindo a suceder-se, o que coloca o problema: somos confrontados com um problema de ineficácia da transmissão pública dessa mensagem (e se sim, de quem é responsabilidade, e como isso deveria ser feito (1) ) ou, em qualquer caso, e na ausência de outras medidas (?) os consumidores, com este nível de taxa de juro, não continuariam a endividar-se?

  3. O Euro constituiu-se como a grande prenda aos consumidores portugueses desde meados da década de 90 - na ausência do Euro, níveis superiores de inflação teriam tido um impacto negativo sobre o poder de compra dos portugueses muitissimo maior do que aqueles imputados ao Euro, via arredondamentos (?) e coisas quejandas.

    O arredondamento (decorrente da conversão dos preços) teve um momento preciso de influência traduzido numa subida do nível dos preços do cabaz de compra - a partir daí, foi o mecanismo de formação de preços em mercado que actuou de modo normal. Acontece, isso sim, é que o modo normal de formação dos preços, em Portugal, caracteriza-se pela ausência de um nível adequado de concorrência. Admito, como hipótese de discussão, que uma nova denominação monetária (com a unidade monetária a ser muito grande relativamente à anterior) crie um certo nevoeiro que ajude a acomodar esse mau funcionamento dos mercados - e, mesmo assim, a contrariar essa tese, não esqueçamos que a conversão é fácil, se as pessoas não estiverem distraídas.

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(1) A campanha do Euro, a nível nacional e regional, foi nisso, absolutamente atípica.


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