Num dado sentido, até posso concordar com aquilo que Pacheco Pereira disse quanto à polémica sobre as declarações de Saramago se caracterizar pela banalidade e pelo provincianismo - aquilo que o Nobel disse tem sido repetidamente afirmado ao longo do tempo [muito recentemente, por Richard Dawkins e Sam Harris, por exemplo] e as reacções a contrario têm-se pautado por um figurino também repetido e conhecido . Qualquer das situações serão banais porque repetidas, mas não são triviais, muito longe disso, e nenhuma delas as qualificaria como provincianas.
Eu preferiria a expressão escorreita e seca de Francisco Assis: Saramago tem o direito, em democracia, de dizer o que pensa, e os que discordam dele, têm o direito de contrariar aquilo que diz. Claro que, aqui também as coisas são mais complicadas do que isso.
Que Saramago pensa o que diz, disso não há dúvida. Mas será que deveria dizer o que pensa, neste particular? Em termos de princípio a questão não se coloca para nenhum democrata. Mas em termos tácticos a questão pode ser argumentada?
Será correcto defender que Saramago não deveria ter-se pronunciado como o fez, para não irritar os crentes que, se ofenderiam e que não estariam preparados, civica e religiosamente, nem para ouvir opiniões contrárias às suas convicções, nem para as contrariar, ou, em alternativa, porque não estariam em condições de se defender do "erro" devido a ausência de uma efectiva autonomia? Defender esta tese é inadmissível, porque é objectivamente insultuosa para todos crentes do país, e é inadmissível para esses crentes enquanto cidadãos da democracia portuguesa.
Logo Saramago tem o direito de dizer o que pensa e de esperar que o contraditório não invoque a autoridade e um superior conhecimento especializado - em qualquer discussão não é prática que prima pela honestidade intelectual, e neste caso lembra história antiga que não queremos repetida: o erro deve ser demonstrado!
E quanto ao fundo da questão? Todos deveriam ler a Bíblia - a regra de ouro é sempre ler muitos e diversos livros : é um livro belíssimo, história de um povo com um percurso impar, repositório de parte da herança cultural do próximo e médio oriente - por exemplo, o relato do dilúvio é anterior à escrita dos livros da Bíblia - que tem tudo, mas tudo o que tem definido a condição humana: guerra, genocídio, violação e violação colectiva, assassínio, insesto, política, amor, erotismo, generosidade, abnegação, e por fim, religião e preceitos religiosos.
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