9 de abril de 2008

Comunicação social e democracia

Mais matéria de reflexão: um artigo de João Almeida Santos, no DiarioEconomico.com, Informação, sobre a comunicação social e os seus critérios de informação no contexto de uma economia de mercado; sobre o uso da "ideologia do negativo" e como esta, em parte (?), se explica por a prática da actividade estar sujeita a restrições fortes decorrentes da concorrência comercial entre os órgãos que produzem a informação. O artigo tem como referência, o modo como “Entidade Reguladora da Comunicação Social” tem vindo a analisar a imparcialidade da Comunicação Social (televisão, pelo que me pude aperceber) versus governo e partidos.

O que diz sobre os critérios é correcto: "...tão ilegítima é a “sobredeterminação” mercantil quanto a “sobredeterminação” política da informação"; não sei, no entanto, mesmo que as recomendações que faz fossem aceites e praticadas, se alteraria de modo significativo a situação. Se a comunicação social é um poder - o denominado quarto poder - deveria como qualquer poder, em democracia, ser sujeito a um sistema de "checks and balances" e esse sistema, passando, obviamente, pelo quadro legal regulamentador da actividade, não poderia ficar só por aí: deveria assentar numa prática social, na intervenção organizada e sistemática de outros poderes fácticos, informando e enformando a opinião pública, em concorrência com a comunicação social (toda ela) - o caso dos partidos políticos e a sua ausência desse trabalho, é paradigmático. Como requesito da eficácia do sistema, naturalmente, a qualidade da formação dos cidadãos - pelas famílias, pelo sistema educativo, pelo sistema político - seria, de novo, determinante.
O artigo:

"Considero sempre muito relevantes todas as iniciativas de monitorização do estado dos sistemas informativos. Afinal, a informação é o alimento da cidadania activa. E, vista a evolução tendencial dos sistemas informativos, progressivamente tabloidizados, a analítica torna-se cada vez mais necessária. Tanto mais que se trata de um espaço onde a liberdade se joga de forma decisiva e onde se constrói ou destrói o consenso para o poder. Mas trata-se também de uma esfera onde a regulação é extremamente difícil, sendo sempre mais desejável a promoção da auto-regulação do que a regulação através de instrumentos legais impositivos.

Por outro lado, a informação, sendo um bem público, mas ao mesmo tempo um produto mercantil, sofre os efeitos de um poderoso espartilho que gera um “hibridismo” informativo pouco desejável. Ou seja, a informação sofre de um paradoxo parecido com o daquele “serviço público” que, de tão asséptico ser, não consegue atrair público. O “hibridismo” informativo, pelo contrário, de tanto público querer acaba por não conseguir produzir verdadeira informação. Na tensão interna do “hibridismo” informativo, a dimensão que acaba por se impor é a do tabloidismo, do sensacionalismo, do “interesse humano”, do “negativo”. O mundo tende a ser visto sempre na óptica do “negativo”. Porque é cognitivamente mais fácil e imediata e emocionalmente mais forte. Logo, capaz de atrair mais espectadores, leitores, consumidores. Recentemente, o maior diário português, o “CM”, ao noticiar a nova organização judiciária, que prevê a transformação das 231 comarcas em apenas 39 circunscrições judiciais, fez a seguinte manchete: “192 vilas e cidades perdem comarcas”. Trata-se, como é evidente, de uma opção noticiosa que valoriza o lado negativo da notícia, em detrimento do positivo (racionalização, flexibilidade e maior responsabilização na gestão do sistema). Por sua vez, o “Jornal de Negócios”, numa coluna onde hierarquizava (do mais baixo ao mais alto) o IVA em 25 países da UE, colocava Portugal em 19.º lugar, optando por pô-lo no fim de uma lista de 5 países com a mesma taxa de IVA de 20%. Se o pusesse no início da lista – e a legitimidade era a mesma - Portugal ficaria colocado em 15.º lugar. Também aqui, a opção foi pelo negativo.

Esta opção pelo negativo tem raízes históricas e confunde-se com as próprias origens da informação política e social, sobretudo a partir do século XVIII. Só que se tratava de uma crítica negativa dos poderes ocultos (“arcana imperii”) e da ausência de liberdade de informação. Pelo contrário, hoje, a “ideologia do negativo” tem mais a ver com a interacção produtor/consumidor do que com a promoção das funções de cidadania. A categoria do “negativo” é a categoria mais transversal do tabloidismo porque atravessa todos os géneros informativos, da política à economia, ao “interesse humano”. Trata-se, cada vez mais, de uma luta pelas audiências e da “sobredeterminação” dos critérios informativos pelo princípio mercantil. Uma simples consulta aos números das vendas dos jornais e das revistas portuguesas dar-nos-á uma visão clara do que estou a dizer.

É por tudo isto que considero não ser muito relevante proceder a contagens de tempos de uso de antena por parte deste ou daquele agente político ou social sem assumir como decisivos os critérios de uma informação que contribua para a promoção das verdadeiras funções de cidadania. Por exemplo, o critério da “relevância” pública da notícia. Porque este é um critério decisivo do ponto de vista substancial (relevo público), formal (princípio central do código ético) e processual (meio de selecção das notícias). E porque, além disso, é um critério interno ao próprio sistema operativo da informação. Ora a procura da proporcionalidade entre a consistência eleitoral e a exposição noticiosa surge também como sobreposição ilegítima de um critério externo aos critérios próprios do sistema informativo.

Por isso, é minha convicção que a “Entidade Reguladora da Comunicação Social” deveria repensar o modelo de análise da informação política, recolocando-se na óptica legítima dos grandes princípios que integram o património genético da informação para a cidadania. Tão ilegítima é a “sobredeterminação” mercan-til quanto a “sobredeterminação” política da informação."

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