7 de abril de 2008

Economista, puro e duro

Se houvesse em certos meios, bom senso, sentido de estado e um mínimo de cultura histórica (nomeadamente, de história económica), haveria sempre lugar a ouvir com atenção o que dizem alguns economistas puros e duros, no mínimo como exercício de benchmarking - bem sei que isto é utópico. Mais que não fosse, não havendo alternativa ao "pecar político", saber-se-ia o peso e o perfil do "pecado" e, talvez, mesmo assim, as suas consequências fossem minimizadas pela escolha das soluções menos más de o praticar. Este artigo de Paulo Soares Pinho, no Diário Económico, Tanga, sobre o modo como a política económica portuguesa tem sido conduzida por este governo, e pelos anteriores, é um bom exemplo de uma opinião de um economista, pura e dura.

Da minha parte, não acompanhado algumas caracterizações e juízos de valor (e.g., do primeiro-ministro), espero que os factos não lhe venham concretizar os sonhos porque, no entretanto, as minhas próprias dúvidas - menos informadas de um ponto de vista técnico - ficam bem de saúde, obrigado, com este tipo de leituras. O artigo:


"Há apenas alguns dias tive um estranho sonho durante o qual ouvi dizer que a economia está fantástica, o ‘deficit’ ficou abaixo dos 3% e o IVA vai descer 1%. Enquanto ouvia sábios governantes apresentar o fantástico resultado das suas políticas, várias coisas iam em ‘flashback’ passando pela minha cansada cabeça. Sobrepondo-se a todas as outras, lá nos confins da cinzenta memória RAM, ia passando, vez após vez, o vídeo do PM Santana Lopes a declarar oficialmente: “a crise acabou”. De quando em vez, lá me aparecia Durão Barroso, acusador, a gritar: “os senhores deixaram o país de tanga”. Aparecia-me também a dra. Ferreira Leite a falar do ‘deficit’, da necessidade de melhorar a eficácia da máquina fiscal e a subir o IVA para 19%. Surgia-me Paulo Macedo a revirar do avesso a máquina fiscal, melhorando a sua eficácia, enquanto a minha mente insistia em comparar os custos que o Fisco teve com o salário dele com o enorme acréscimo de cobranças que proporcionou. Surgia-me Camões a encerrar “Os Lusíadas” com a palavra inveja. Via um preocupado Presidente da República em fim de mandato a anunciar, alto e bom som, que “há vida para além do ‘deficit’”. Voltei a ouvir o ex-PM a anunciar o fim da crise. Depois apareceu-me uma imagem de Campos e Cunha em São Bento a insistir (com a sua conhecida teimosia) na prioridade ao combate ao ‘deficit’ e logo em seguida a subir o IVA para 21%. Vi o combate ao ‘deficit’ ser recolocado no topo da agenda e, graças a um PM que nunca se engana nem jamais tem dúvidas, tal objectivo, uma vez anunciado, não poderia voltar atrás... a não ser, claro, que em vésperas de eleições se pudesse reanunciar o final da crise, à imagem e semelhança do que o antigo PM fizera..

Vi comboios, aeroportos, pontes, auto-estradas e obras avulsas em geral. Após o “final da crise” vi expandir-se loucamente o até então moribundo investimento público. A época era de pré-campanha, e a construção é conhecida pela sua generosidade. A populaça gosta de obras.Nesse sonho apareceram-me estatísticas: a economia com um crescimento medíocre, com o qual apenas um tolo se consegue alegrar; o investimento estrangeiro a cair a pique, apesar dos incessantes anúncios de novos PIN modernizadores da economia, sobretudo de raiz hoteleira e de preferência em reservas naturais, que isso da preocupação com o ambiente passou de moda, porque outros valores mais altos se levantam; a confiança dos agentes económicos em queda; a receita fiscal sobe, sobe, balão sobe, atrofiando a economia, impondo um pesado encargo aos cidadãos endividados que, entre juros e impostos, retraem o consumo; a despesa pública sobe alegremente, fazendo-nos perceber que de fim de crise o momento nada tem: as receitas públicas apenas sobem mais do que as despesas. Vi o ministro que tentou pôr na ordem o sector mais ineficiente ser posto na rua, sem honra nem glória. Não vejo um único órgão do Estado com dimensão relevante ser reestruturado de forma a ficar mais barato aos contribuintes e mais rápido na resposta aos cidadões. O PRACE , depois de tanto barulho, parece um ‘flop’. Ou seja, a economia estagna e a receita apenas subiu devido à elevada fiscalidade. A despesa está para lavar e durar. Isto afinal não é sonho: é pesadelo.Baixam os impostos, cresce a despesa corrente, aumenta o investimento público. No meu pesadelo aparece então a sorridente imagem de Guterres. ‘Déja vu’?

Não sei, mas no meu pesadelo surgia lá ao fundo um futuro primeiro-ministro, cuja face não consegui vislumbrar, a fazer a sua estreia parlamentar com um discurso sobre um país de tanga. Esperemos que tudo não tenha passado apenas de um sonho mau.Pela recuperação do ‘deficit’ são devidos os parabéns a quem criou as condições objectivas para tal: Manuela Ferreira Leite e Luís Campos e Cunha. A prudência e a evidência recentes recomendam dever esperar mais algum tempo antes de decidir juntar-lhes o ministro em exercício. Até à descida do IVA, até que ia no bom caminho..."

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