16 de dezembro de 2008

O que prometi na anterior nota...

Aí têm a transcrição da parte do artigo de Miguel Sousa Tavares, Expresso: Francamente, para que serve o PSD? que considero ser de relevar, porque (a meu ver) faz um bom juízo de realidade quanto às percepções que os cidadãos e os políticos têm de si próprios, dos outros, e da democracia.



Na verdade, é algo que não merece a devida atenção na opinião pública - é conhecido do desamor da população pela classe política; o que se escamoteia é o facto de ser convicção (objectiva - nunca subjectiva, entenda-mo-nos) da classe política, que os cidadãos são seres unidimensionais, acriançados, que se movem pela estrita satisfação das suas pulsões básicas, insusceptíveis de serem formados e informados. Essa convicação desobriga a classe política de fazer, ou de tentar fazer política de modo diferente. Ao longo dos anos da democracia, em consequência desse tipo de actuação, e como seria de esperar, o comportamento dos cidadãos acaba por se configurar exactamente de acordo com essa percepção (falta de interesse; alheamento; as pessoas não votam; as pessoas não querem saber...). A classe política desculpa-se com as atitudes dos cidadãos, que, em primeiro lugar, contribuiu para se formarem assim - vi isto no debate do Portugal Direct em que participei, há dias atrás (aqui).

A transcrição:


  • "Eu sei que a política - e a política de oposição - tem de continuar a ser feita todos os dias, com crise ou sem crise. Mas talvez o que esteja errado seja a cultura de oposição entre nós e a própria forma de fazer política. Um estudo recentemente divulgado diz que só 28,5% dos eleitores portugueses estão satisfeitos com a democracia. O número é, sem dúvida, chocante, mas deve ser visto no seu contexto e o contexto é a maneira de pensar do Zé Povinho. Os portugueses confundem a qualidade da democracia com várias outras coisas que não têm que ver com isso: a sua situação pessoal, a situação económica, a qualidade da representação política. A democracia não governa necessariamente melhor nem pior do que a ditadura, nem resolve melhor ou pior os problemas pessoais de cada um ou a situação económica - embora haja vários estudos que comprovam que, em África, por exemplo, os países economicamente mais desenvolvidos são aqueles onde a democracia está também mais implantada. Mas o que a democracia tem de diferente da ditadura é que os erros, a má governação, a corrupção, são publicamente expostos e livremente criticados e a todo o tempo pode-se punir politicamente os responsáveis e mudar o pessoal.
    A qualidade do pessoal político e os seus usos e costumes é o que determina a qualidade da democracia - e esse é o segundo erro de análise política do português comum, quando interrogado em inquéritos destes. O português acha sempre que o país se divide entre 'eles' - os políticos - e 'nós', os eleitores. E que 'nós' somos infinitamente melhores, mais puros e mais honestos do que 'eles' - os quais, sem excepção, só vão para a política para se servirem e não para servirem o país. O português comum, em auto-retrato, é um cidadão exemplar: trabalha que se desunha, nunca faz ronha nem mete falsas baixas, não aldraba o patrão nem os vizinhos, não esconde um euro dos impostos, preocupa-se com a comunidade, pensa sempre primeiro nos interesses do país antes de pensar nos seus próprios. Mas, desgraçadamente, é servido por políticos que são o oposto disto. Por isso, não está 'satisfeito' com a democracia.
    Em retribuição, o grosso da classe política tem tanta consideração pelo povo quanto o povo tem por eles. A diferença é que não alimenta falsas ilusões: sabe que representa o espelho fiel da nação, que, aliás, lhe cabe representar. O que é grave , no tal estudo, não é, pois, que menos de 30% dos eleitores se declarem satisfeitos com a democracia; é que só 60% dos deputados digam isso também..."

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