3 de fevereiro de 2009

"Freeport" (II) ou de como, agradecia, não me tomem como imbecil







  1. De acordo com António Vitorino, que, no entanto, não disse tudo (muito longe disso): "origem selectiva [das fugas de informação], com a concorrência entre a comunicação social a explicar o resto [não sei se estou a reproduzir as palavras exactas, mas o sentido era este]".









  2. "Prós e contras" elucidativo: José Miguel Júdice, naquilo que diz sobre a resiliência da democracia portuguesa, poderá ter mais razão do que gostaria (ele e nós), quer estejamos ou não na Europa - a verosimilhança da possibilidade que vaticina pode ser qualificada pela probabilidade que se queira atribuir a um cenário futuro de Portugal com uma persistente fragilidade e decaimento sócio-económico, onde falhasse, por exemplo, o projecto de construção europeia na sua totalidade ou em alguma das suas componentes mais importantes (por exemplo, a União Económica e Monetária - fala-se disso). A capacidade endógena da democracia portuguesa de resistência a um crise grave, só por si, é baixa (e tem sido historicamente sempre baixa) - e as elites políticas tudo tem feito, por indiferência, por incompetência, para que assim continue e diminua. E de qualquer forma, não esquecer nunca, que no médio e longo prazo se perfilam as tensões e o stress sócio-económico gravíssimo a que as sociedades, os países, a União Europeia, serão sujeitos face a todas as consequências de todo o tipo, que advirão das alterações climáticas (não perceber isso é não ser contemporâneo dos tempos em que se vive; é ser provinciano no sentido pejorativo do termo).







    Aquilo que Saldanha Sanches disse, não duvido, será verdade, e é mau, mas quero acreditar que resultou do ratear de recursos a que obrigou o combate ao défice. Se resultasse de um esforço deliberado de furtar a actividade governativa ao esforço inspectivo das polícias, isso seria inqualificável.







    E depois houve o senhor professor universitário, que é comentador na televisão, de que não sei o nome, que perorava sobre a incorrecção do PM em falar de "campanha negra" e que deve ser, presumo eu, do PSD.







  3. Não acredito que o PM seja corrupto. Não descarto, no entanto, a possibilidade de que, à portuguesa, se tenha querido apressar as coisas antes das eleições para ir de encontro à vontade do Presidente da Câmara de Alcochete, ou para cumprir com a vontade de mostrar serviço. Não descarto também - a tal ida para a China substantiva a hipótese - a possibilidade dos seus familiares, à conta de terem o sobrinho, ou o primo, como Ministro do Ambiente, não tivessem incorrido em "abuso de confiança", criando o fogo. Mesmo quedando-nos pelo fumo (há sempre fumo na actuação da administração portuguesa, pelo menos em tese: veja-se o que se disse no programa da RTP), temos a carta anónima; temos a actuação da polícia (descrita, também, lá); temos o episódio de "aproveitamento" partidário comprovado em tribunal; temos o modo como a polícia portuguesa justifica face à inglesa o seu pedido de informação; temos o tempo que leva isto tudo, e temos em "boomerang", a carta precatória inglesa invocando o que os portugueses tinham dito.







    A técnica é velha; era utilizada pelos serviços de propaganda da União Soviética: planta-se uma notícia falsa num jornal qualquer, de um país qualquer, e depois essa notícia é citada, recitada, glosada, expandida, validada, e assim por diante. Carta anónima, e é o mesmo percurso.







  4. E se o PM é mesmo corrupto? Vamos admiti-lo como hipótese de discussão para nos concentrarmos no aspecto, mais obnubilado, da "campanha negra". É que, mesmo neste cenário admitido, as culpas do PM não desculpariam a ignomínia e a periculosidade desse procedimento para a democracia. A democracia é defendida pela lei, pelas boas práticas e pelos protocolos do que deve ser uma actuação política decente. Quando isso não sucede, vem o descrédito, vem a fragilização do regime democrático, vêm as réplicas, vêm as represálias, vem a desconfiança (isso já sucedeu, e sucedeu em Portugal, antes do Estado Novo). O facto da posição dos portugueses em relação à questão perfilar-se de acordo com as simpatias partidárias - é a transposição para a política do modo como se vive a paixão clubística: mesmo que haja trapaça, que o meu clube ganhe em qualquer caso - não ajuda em nada.







    E é mesmo de "campanha negra" de que se trata? Ou não estaremos só perante uma virtuosa fuga de informação, de pecadilho admissível contra o segredo da justiça?







    Aqui, parafraseando o Professor Pacheco Pereira, façam o favor de não me tomarem como parvo.







    Temos um centro emissor, que selecciona o que se transmite, em cada momento, ao longo de um período de tempo, rateando os nacos informativos, de modo a que se potencialize os efeitos pretendidos, na base de uma estratégia comunicacional claríssima. Não se trata de "agentes da justiça", ou quaisquer outros "populares" indignados com os poderosos, assanhados contra Sócrates, porque este os pôs a trabalhar mais um mês, ou por outro motivo qualquer. Uma mera fuga ao segredo da justiça, implicaria, como mais provável (nomeadamente, porque minimizando os riscos de detecção), uma entrega única do todo o acervo - aliás, pelo mesmo motivo, como aconteceu no Watergate, selecciona-se um, ou dois jornalistas (neste caso, quantos jornalistas receberam os "pacotes"?). E o que faria o jornalista que o recebesse, sabendo que outros jornalistas também o receberiam: lançaria tudo, de uma só vez, de modo a não ser ultrapassado pela concorrência. A não ser que, entre os jornalistas, houvesse um processo, como de cartelização, onde se contratualizasse quem diz o quê, e quando, o que não tem sentido de todo.







    Mas se fosse só isso. Houve o caso da licenciatura de Sócrates; houve o caso dos projectos assinados por Sócrates; houve o caso do homossexualismo de Sócrates; houve a versão inicial do Freeport; houve a relação entre o PS e a Casa Pia. Tomem isso como quiserem; atribuem-lhe em bloco, ou item por item, a veracidade que quiserem - "for the sake of argument" dou de barato tudo o que quiserem. Não dou de barato é a constatação de que todos os casos são ataques "ad hominem"- só no caso do Freeport está em causa uma prática pública -, que existe um padrão consistente de actuação de um centro emissor que, no melhor cenário, actua pró-activamente, investiga e apura os podres de um só sector da classe política portuguesa: o socialista - no pior cenário, inventa e calunia esse sector. Mesmo em relação ao melhor cenário, isso, em democracia, não é legítimo, não é admissível, é extremamente perigoso. A democracia necessita da crítica e da denúncia públicas, duras, trabalhadas, fundamentadas e comprovadas; não desta inqualificável ignomínia.







    Não, o que querem fazer de mim, é um imbecil.




No entretanto:










  1. A Direcção do PSD remete-se ao silêncio, de modo tacticamente inteligente.









  2. No entretanto, o Professor Pacheco Pereira, no seu blogue Abrupto, morigera a comunicação social portuguesa sobre os perigos do situacionismo; destaca para o efeito a prática menos consentânea de alguns jornais que nas suas capas não lincham adequadamente o PM; enaltece algumas capas como exemplo (caso da compra da casa pela mãe de Sócrates, mas desculpem, voltando atrás: se aceitando a tese da mera fuga ao segredo da justiça, como é que o "juíz", ou o "escrivão", ou o "polícia", ou o "procurador da justiça", responsável por essa fuga, teve conhecimento desse facto [ver, aliás, aqui]; não foi trabalho de investigação jornalística: surgiu ao mesmo tempo numa série de jornais e nas televisões).









  3. No entretanto, toda a nossa gente glosa o assunto, e "en passant" imputa a Sócrates o pecado de ser arrogante. Tenham em atenção que o que estou a dizer, é que nas intervenções de todos (ou quase todos [por uma questão de cautela]) os comentadores e dirigentes do PSD, a imputação de arrogante a Sócrates, é teclada, de modo insistente, de modo repetido, dir-se-ia quase de modo concertado [ver, também, aqui].









  4. No entretanto, o Professor Pacheco Pereira refere (ecoado por outros comentadores de, digamos, menor quilate) que as condições excelentes ao dispor de Sócrates permiter-lhe-iam ter resolvido de maneira cabal os problemas estruturais do país. Que a gravidade extrema dos problemas de Portugal resulta de terem uma raíz estrutural, tal é indesmentível; que problemas estruturais seriam possíveis de serem resolvidos em três anos, aventá-lo, é intelectualmente desonesto ou desleixado; que as condições que Sócrates teve sejam diferentes (para melhor) das de Durão Baroso, de Cavaco Silva, não dá para perceber; que pelo que respeita ao PSD, partido que governou o País por mais tempo, possa ser sugerido, implícitamente, que não tenha responsabilidade no perdurar desses problemas, não lembra ao Menino Jesus.


    Mas a verdade, é que este Governo, por erros que possa ter cometido - e cometeu-os e, desconfio que continua a cometê-los - conseguiu provar que este País é reformável [ver o que a Causa Nossa diz aqui], embora, há que reconhecê-lo, com a organização e tecnologia política disponível, esse esforço tenha sido, e continuará a ser, extremamente difícil.









  5. No entretanto, as próximas eleições legislativas são absolutamente dramáticas para o PSD e para o sector do partido que está no poder. Não ganhando as eleições, ou pelo menos, não retirando a maioria absoluta ao PS, esse sector arrisca-se à irrelevância. Tendo em conta que é, sem dúvida, o sector que em termos intelectuais e políticos, é o melhor que o PSD tem a oferecer ao País (do outro lado, ou dos outros lados, há riscos sérios de populismos e coisas quejandas) e que a conjuntura mundial vai no sentido da linha ideológica e programática do PSD ficar na defensiva nos próximos anos, tal irrelevância poderia transmutar-se num progressiva marginalização do PSD (o que poderia ser ajudado pelo aparecimento de um partido "alegrista" à esquerda do PS).









  6. Em conclusão, o PS desce finalmente, dirão alguns, nas sondagens.

PS: Acabei de ler: Manual de instruções para campanhas negras Económico de Pedro Adão e Silva. Leiam por favor. Explica o aspecto técnico da questão muito melhor do que eu conseguiria.
















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