Existe um grande clamor contra os grandes projectos de infraestruturação que este Governo quer levar à frente: TGV, auto-estradas, barragens. Algumas dessas vozes merecem-me todo o respeito, quer do ponto de vista técnico, quer do ponto de vista de honorabilidade pessoal. O seu argumento principal assenta no possibilidade do nível e taxa de progressão do nosso endividamento externo se vir a tornar insustentável pelo que aqueles grandes projectos, (alguns de rendibilidade económica duvidosa - alegam), iriam potenciar ainda mais essa possibilidade. É uma argumentação que cala fundo. E por tudo isso "mon coeur balance...".
Onde está a minha hesitação?
Para já reside na diferença entre os projectos: por exemplo, as barragens têm uma bondade estratégica diferente das auto-estradas - Manuela Ferreira Leite fragilizou a sua posição por não ter descriminado entre os projectos, e os ter atacado na totalidade.
(As auto-estradas não convencem-me muito e, da mesma forma, o TGV Lisboa-Porto.)
Depois, resulta do facto de não saber se na apreciação negativa que se faz, por exemplo, do TGV Lisboa-Madrid, se está a dar a devida consideração aos denominados efeitos dinâmicos da oferta - a procura existente não seria suficiente efectivamente para assegurar a rendibilidade da ligação TGV, Lisboa-Madrid, mas a nova oferta, o TGV, poderia criar uma procura muito maior do que a existente, com todos os benefícios daí decorrentes. E o mesmo quanto ao ganho na não-emissão de gases de estufa (relativamente às alternativas do transporte aéreo e rodoviário) e à maior eficiência no uso dos combustíveis fósseis. (No que respeita a estes dois últimos aspectos, o seu custo económico irá crescer de modo sustentado nos próximos anos - disso não tenho dúvidas).
(Será que estes resultados se poderão obter com uma possibilidade de transporte ferroviário de alta velocidade que não o TGV? Campos e Cunha deu-o a entender na conferência que fez em Ponta Delgada - ver aqui.)
Por isso, eu gostaria mesmo era de ter resposta a estas perguntas:
- Cada um destes projectos justifica-se em termos duma análise custo-benefício que integre todos os aspectos (*) ?
- Admitindo que a bondade de um dado projecto X seja validada por aquela análise custo- benefício, será que o custo de oportunidade do agravamento do endividamento externo nele implicado é de tal monta que deva impossibilitar a sua concretização?
- Ou, em alternativa, a bondade do projecto é de tal monta, que não haveria remédio se não concretizá-lo com o custo de oportunidade em termos de agravamento do endividamento externo (que não pode nem deve ser ignorado) a ter de ser compensado noutros domínios e de outro modo?
Naturalmente, em tudo isto, não se pode esquecer o quadro onde os políticos e os Governos se movem, e este não é susceptível de ser reconduzido à estrita racionalidade (quando bem feitas) das análises custo-benefício: há que gerir interesses, expectativas, incentivos, compromissos. Veja-se, por exemplo, Manuela Ferreira Leite questionada sobre a auto-estrada de ligação a Trás-os-Montes, a afirmar que, quanto a essa, estava de acordo (neste quadro de condicionalismos, cheira-me que essa seria uma infraestura que poderia ser adiada - mas, como é óbvio, não sou dos Trás-os-Montes). Daí a importância de consagrar regras de actuação que assegurem maior transparência, maior liberdade de actuação dos próprios políticos face àquele quadro de condicionalismos - os grandes projectos (há muita gente a defendê-lo) deveriam ser sustentados na sua escolha à elaboração de livros brancos feitos por comissões independentes e tecnicamente qualificadas e sujeitos à discussão pública.
(Li isto, ou ouvi, já não sei onde: um ex-comissário europeu contava que, por vezes, era instado por políticos nacionais a não viabilizar projectos que os próprios se tinham comprometido fazer perante os seus eleitores por não acreditarem na sua bondade).
(Já tinha escrito sobre este assunto: ver aqui, aqui, e aqui.)
As referências que se seguem foram sendo recolhidas ao longo do tempo (não sei se estão ordenadas pela data da sua publicação):
Spain's high-speed revolution Ave Madrid The Economist "The opening of the Barcelona-Madrid line a year ago marked the beginning of the end of airlines’ dominance. In its first ten months it carried 2m passengers; in 2008 its share of the total market rose from 28% to 38%. Josep Valls, of the ESADE business school, predicts that trains will carry most long-distance travellers within two years."
Jornal de Negócios Online Apanhar o Comboio
"O custo da infra-estrutura é indiscutivelmente elevado, mas os retornos são igualmente muito elevados. Quando foi feita a primeira ligação da Alta Velocidade Espanhola, entre Madrid e Sevilha, muitos acharam que a escolha se deveu ao facto de esta ser a cidade natal do primeiro-ministro espanhol da época e vaticinaram resultados económicos desastrosos. Pelo contrário, o tráfego excedeu todas as expectativas e a viabilidade económica do novo corredor foi mesmo decisiva para a recuperação financeira dos défices crónicos da RENFE espanhola. A ligação em TGV entre Lisboa e Madrid não vai apenas canalizar para o comboio a maioria dos passageiros que actualmente utilizam o avião. Vai também retirar milhares de automóveis das estradas e reforçar decisivamente a nossa ligação à Europa, romper isolamentos e permitir o crescimento da actividade económica. A economia em emissões de dióxido de carbono, ignorada na maioria das avaliações, é um factor adicional a reforçar o imperativo desta decisão. "
outubro» Arquivo » Novas redes, nova esquerda
"A propósito daquela que foi apelidada da primeira medida do Governo contra a crise - o acordo sobre as redes de nova geração - é interessante rememorar algumas ideias feitas, factos políticos e outras quimeras sobre a relação entre a tecnologia e as políticas de esquerda. O potencial revolucionário das redes de nova geração é tal que qualquer pessoa que se diga de esquerda não pode deixar de sorrir perante as suas possibilidades."
outubro» Arquivo » Lá por fora, o TGV:
"Em artigo publicado na Prospect com o título “All change”, Andrew Adonis, ministro dos transportes do Reino Unido, defende que a renovação das principais vias ferroviárias do país deve implicar a adopção da alta velocidade. Esta opção, argumenta, venceu já não só em boa parte da Europa ocidental mas também no Japão e, mais recentemente, nos EUA. A este propósito recorda, aliás, que no dia da eleição de Obama os californianos votaram a favor da proposta do governador Schwarzenegger de construir uma linha de alta velocidade entre São Francisco e Los Angeles."
"Neste tipo de conjuntura a tentação em gastar biliões em “grandes projectos para relançar a economia” é sempre grande. Contudo, a experiência tem mostrado que o seu efeito sobre a actividade económica é efémero e, frequentemente, não reprodutivo.
Para além dos benefícios directos às construtoras do regime, poucos impactos indirectos advirão numa economia onde a secura do crédito trava os efeitos multiplicadores antecipados por quem de macroeconomia pouco entende."
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