A notícia, e as suas possíveis implicações para os Açores, já tinham sido referidas neste blogue (vejam aqui). O assunto é revisitado neste artigo: The Economist's "Iceland and the Europe Union - All things to Althingi", onde se diz a dado passo: "Yet three obstacles loom ahead. First is the EU’s notorious common fisheries policy, which would give other EU members access to Iceland’s fish. There are get-outs for traditional fishing grounds, but they may be hard to invoke. Students of past “cod wars” with Britain will be aware of Icelanders’ determination to protect national assets, but given that it is the Icelanders who are demandeurs they may have to compromise."
Para os Açores, este pedido de adesão, e o seu processo negocial, têm uma importância estratégica significativa, e poderão, hipoteticamente, justificar abrir um episódio de afirmação autónomica face à República, agora, de tipo substantivo e fundamentado - a contrário de outros episódios.
A Islândia é por definição (da definição do Comité de Acompanhamento RUP) um território ultraperiférico, e entrando para a União Europeia, seria o primeiro EM onde a condição ultraperiférica se confunde com a sua realidade objectiva - Malta e Chipre não cumprem com todos os requisitos. Não acredito, no entanto, que em qualquer momento os negociadores islandeses reivindicassem essa qualidade - a ultraperiferia não é bem vista na União (como cá) e é encarada (lá, como cá), tão-somente, como expediente (criado nos tratados, por perfídia francesa (*)) que potencia as reinvindicações de um tratamento diferenciado e/ou majorado de um conjunto de territórios portugueses, espanhóis e franceses. Contudo, no caso da adesão se concretisasse, haveriam sempre possibilidades que poderiam frutificar, logo que trabalhadas com peso, conta e medida. Mas, o que é mesmo importante para os Açores, nesta questão, é o que se relaciona com as pescas.
A Islândia tem nas pescas o seu sector económico mais importante - as pescas respondem por cerca de 40% das suas exportações, com o alumínio a responder por outro tanto (**) (***). A importância económica das pescas resulta, num primeiro momento, do volume, e qualidade, das pescarias islandesas; num segundo momento, de um gestão rigorosa dessas pescarias e da capacidade de dominar toda a cadeia de criação de valor do pescado. Quanto ao primeiro aspecto, em relação ao exterior, de modo a excluir os outros da exploração desses recursos, optaram pela independência - sim, nalguns casos, até se justifica [nunca foi o caso dos Açores] - e entraram, num quase-conflicto, com a Inglaterra. Quanto ao segundo aspecto, em relação ao interior, de modo a usarem de modo sustentado esses recursos, revolucionaram a sua exploração. [a política de pescas de um qualquer território tem de acautelar essas duas vertentes: o combate à exploração depredatória dos outros; o combate à exploração depredatória dos nossos, mesmo que esta seja menos intensa que a dos outros].
É por tudo isso que a adesão da Islândia à União Europeia se antevê como muito difícil: a Islândia é pouco provável que ceda a mão nesta matéria [seria suicídio, a meu ver]; a Política Comum das Pescas (PCP) (leiam-se: os interesses da pesca longínqua; a Espanha, e, também Portugal, e não sei quem mais) dificilmente. Soluções de compromisso ? por exemplo, acesso limitado? Não creio que a opinião pública islandesa, tradicionalmente céptica sobre a Europa ( e, agora, que o pior da crise estará a atenuar-se: ver (***)) fosse comprada com algo parecido. Até onde posso ver, só teremos a Islândia na União Europeia, se ela for isenta da aplicação da PCP, se for instituído um regime de excepção para a ZEE islandesa. Será possível que tal suceda? Não sei: será difícil, mas não é impossível, já que poderá estar aqui, em causa, de modo indirecto, a adesão da Noruega, e aí, os interesses europeus em jogo são muito mais importantes.
Para os Açores o interesse de uma solução de excepção para a Islândia, no caso do acesso às pescarias da sua ZEE, seria óbvio: se há para a Islândia, por que não haveria para os Açores?
O interesse da RAA é que a Islândia entre na União Europeia, e que entre salvaguardando os seus interesses quanto ao acesso de outros às suas pescarias. Qual é o interesse da República? Tudo visto, deveria ser o mesmo - a PCP não ajuda a actividade pesqueira (correcta) de ninguém [por que essa política se perfila assim, era algo que, um dia destes, discutirei aqui]. Mas eu não acredito: os interesses da pesca do mar alto - aqueles que criticam a PCP por lhes proibir de pescar mais - irão salivar com a possibilidade de terem acesso à ZEE islandesa, e o Governo da República (quem quer que seja que esteja no poder) irá acomodar esses interesses, e transformá-los no interesse nacional a defender nas negociações da adesão da Islândia.
Como irá actuar a Região neste caso? On verra bien! Eu vou esperar sentado, mas seria um caso evidente de efectiva, substantiva, afirmação autonómica (ver aqui), e considero que, em momento oportuno, tudo visto, e efectuado alguns contactos, a Região deveria pronunciar-se, publicamente, sobre o assunto.
____________________________________________É por tudo isso que a adesão da Islândia à União Europeia se antevê como muito difícil: a Islândia é pouco provável que ceda a mão nesta matéria [seria suicídio, a meu ver]; a Política Comum das Pescas (PCP) (leiam-se: os interesses da pesca longínqua; a Espanha, e, também Portugal, e não sei quem mais) dificilmente. Soluções de compromisso ? por exemplo, acesso limitado? Não creio que a opinião pública islandesa, tradicionalmente céptica sobre a Europa ( e, agora, que o pior da crise estará a atenuar-se: ver (***)) fosse comprada com algo parecido. Até onde posso ver, só teremos a Islândia na União Europeia, se ela for isenta da aplicação da PCP, se for instituído um regime de excepção para a ZEE islandesa. Será possível que tal suceda? Não sei: será difícil, mas não é impossível, já que poderá estar aqui, em causa, de modo indirecto, a adesão da Noruega, e aí, os interesses europeus em jogo são muito mais importantes.
Para os Açores o interesse de uma solução de excepção para a Islândia, no caso do acesso às pescarias da sua ZEE, seria óbvio: se há para a Islândia, por que não haveria para os Açores?
O interesse da RAA é que a Islândia entre na União Europeia, e que entre salvaguardando os seus interesses quanto ao acesso de outros às suas pescarias. Qual é o interesse da República? Tudo visto, deveria ser o mesmo - a PCP não ajuda a actividade pesqueira (correcta) de ninguém [por que essa política se perfila assim, era algo que, um dia destes, discutirei aqui]. Mas eu não acredito: os interesses da pesca do mar alto - aqueles que criticam a PCP por lhes proibir de pescar mais - irão salivar com a possibilidade de terem acesso à ZEE islandesa, e o Governo da República (quem quer que seja que esteja no poder) irá acomodar esses interesses, e transformá-los no interesse nacional a defender nas negociações da adesão da Islândia.
Como irá actuar a Região neste caso? On verra bien! Eu vou esperar sentado, mas seria um caso evidente de efectiva, substantiva, afirmação autonómica (ver aqui), e considero que, em momento oportuno, tudo visto, e efectuado alguns contactos, a Região deveria pronunciar-se, publicamente, sobre o assunto.
(*) Isso, foi-me afirmado, com todas as letras, por um funcionário de outro EM, a quem, de modo inocente, perguntara o que achava sobre as RUP. A pessoa em causa não se apercebera que eu era dos Açores, ou que os Açores eram uma RUP. Tive pena dela, depois, quando se apercebeu da inadvertência: era um funcionário do MNE local.
(**) Iceland: success story Free exchange Economist.com
(***) naked capitalism: Iceland Proves That in a Financial Crisis, Breaking Glass and Trashing Currency is a Good Remedy
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